A transição forçada para a agricultura biológica do Sri Lanka ajudou à ruína do país

A proibição do uso de fertilizantes e pesticidas foi imposta por decreto pelo Presidente que fugiu do país após uma revolta popular. Causou fome e contribuiu para uma crise económica sem precedentes.

Mais de seis milhões de pessoas vivem em insegurança alimentar no Sri Lanka e maioria das famílias (61%) está a usar estratégias para lidar com a falta de alimentos, como reduzir a quantidade de comida ou o número de refeições, segundo a última avaliação do Programa Alimentar das Nações Unidas, do início de Julho. No entanto, até 2021, este era um país que era auto-suficiente em arroz, a base da alimentação da população. O que mudou?

O factor desestabilizador foi o decreto de Abril de 2021 do Presidente Gotabaya Rajapaksa – que fugiu para Singapura e se demitiu por carta, depois de o povo ter exigido nas ruas o seu afastamento esta semana nas ruas, numa revolta popular. Esse decreto formalizou a decisão de que o país deixaria de importar pesticidas e fertilizantes sintéticos para se tornar no primeiro país do mundo a fazer a transição para a agricultura biológica. Isto aconteceu praticamente da noite para o dia, sem preparação.

Foi uma decisão imposta de cima, sem que os cerca de dois milhões de agricultores do Sri Lanka tivessem qualquer formação para passarem a fazer uma agricultura diferente. Durante décadas, usaram pesticidas e fertilizantes sintéticos subsidiados pelo Governo que, juntamente com tecnologias modernas, permitiram triplicar a produtividade da agricultura do Sri Lanka em desde o fim da II Guerra Mundial: o país tornou-se o quarto maior exportador de chá do mundo, e a produção de arroz aumentou três vezes, tornando-se auto-suficiente neste cereal, que é a base da alimentação local, diz o Le Monde.

Em Abril de 2021, então, sem formação nem apoios, os agricultores tiveram de se resignar a tentar obter as melhores colheitas possíveis sem as ajudas químicas. Os resultados foram catastróficos e, enfrentando protestos nas ruas, o Governo acabou por voltar atrás, em Novembro de 2021, permitindo o uso de químicos pelo menos nas culturas mais importantes. Mas então o Sri Lanka apanhou em cheio com o aumento de preços causado pela crise global nas cadeias de abastecimento e agora com a invasão da Ucrânia pela Rússia, que reduziu a quantidade de fertilizantes sintéticos no mercado e os encareceu, devido ao boicote ocidental à Rússia. E os subsídios para os fertilizantes não foram repostos.

Com a proibição da importação de fertilizantes e pesticidas, a produção de chá – que representa cerca de 10% das exportações anuais do Sri Lanka, no valor de 1200 milhões de dólares, e é uma importante fonte de divisas – caiu cerca de 18%. A de arroz teve uma queda de 43%, escreve num artigo de opinião no New York Times o jornalista indiano Kapil Komireddi. Em vez de continuar auto-suficiente em arroz, o Sri Lanka foi forçado a importar este cereal, gastando pelo menos 450 milhões de dólares até meados do ano nessa compra.

A justificação apresentada pelo Presidente Gotabaya Rajapaksa para tentar esta transição abrupta teve a ver com motivos de saúde. O decreto publicado no jornal oficial, […]

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