A vindima continua a ser um bom espelho da natureza humana. Mas mudou muito
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https://www.publico.pt/2019/09/07/fugas/cronica/vindima-dura-deixa-saudades-mal-acaba-1885448
Começou a vindima. Já tive 15 anos e nessa idade gostava mesmo de ir à vindima e de escrever redacções do tipo “gosto muito da vindima. A vindima é muita bonita. Toda a gente canta e dança. Cansa um bocadinho, mas comem-se muitas uvas”. Era trabalho infantil, mas não era a Idade Média. As crianças – melhor, os jovens – suplicavam para ir à vindima. Não bastava querer ir. O dono da vinha tinha que aceitar, e aceitar era um sinal de amizade perante a família que pedia, quase sempre humilde.
Ser “chamado” para a vindima significava mais do que receber algum dinheiro e comer umas boas merendas (nem sempre, na verdade. Tive um patrão, com o sugestivo nome de Armindo “Rico”, que me deu de almoço uma sopa e meia sardinha). Era como um rito de iniciação, uma entrada no mundo dos grandes, nas suas alegrias e tristezas, no cochicho, no maldizer, nas histórias picantes, nas palhaçadas e também nas praxes da festa. Saía-se de lá criança na mesma, mas já com um pouquinho mais de saber e de maldade. As aulas só começavam na segunda semana de Outubro e, pelo menos na minha Alijó natal, não se vindimava antes da chegada do Outono, quando as noites já eram muito frias. Hoje, já há quem vindime em Agosto.
Mais tarde, aí pelos meus 25 anos, quando comecei a gostar de vinho, sem conhecer ainda muito bem os seus tortuosos caminhos e quanto custa a produzir, a vindima já não era a mesma coisa. Não perdera a sua magia, pelo menos na minha imaginação, mas o meu papel é que tinha mudado. Casara e vindimava para a família – e não era a mesma coisa. […]