A aclimatação ao calor estimula a imunidade das plantas – Sílvia Palma Ferreira

Há mais de 20 anos que foi reportado um conjunto de estudos pioneiros que realçavam a importância da relação entre a temperatura elevada, a luz e a fotossíntese nas plantas, tendo demonstrando que a adaptação do metabolismo diário a períodos de mais calor é vantajoso porque permite ajudar na aclimatação das plantas a uma maior intensidade luminosa, que ocorre no período estival.

O balanço entre a captura da luz e o seu uso na fotossíntese é influenciado pelas flutuações dos factores ambientais, e este balanço foi sugerido como chave para regulação das interações bióticas e abióticas das plantas. Isto significa que tem que existir algo que integre estas relações e possa distribuir os seus efeitos. A descoberta de um grupo de genes que resulta na regulação da atividade de uma molécula (plastoquinona) que liga as reações de síntese de energia às reações de síntese de fixação de carbono, ambas durante a fotossíntese, permitiu considerar que existe um “maestro” para manter a homeostasia de stress oxidativo nas plantas no contexto de fotossíntese ativa.

Se a temperatura elevada afecta em primeiro lugar a plastoquinona, então as reações luminosas seriam os primeiros mecanismos a serem afectados e a aclimatação à luminosidade seria obrigatória a curto prazo, uma vez que se há energia a mais e ela é obtida através da luz, é preciso reduzir a capacidade de captar luz para reduzir a quantidade de energia obtida da mesma. Não é por acaso que plantas com metabolismo adaptado a intenso calor parecem ter em comum elevadas taxas de evapotranspiração e uma taxa de fotossíntese correlacionada com a intensidade luminosa excepto nos períodos de maior luminosidade, em que algumas podem baixar drasticamente a fotossíntese. Mesmo quando sujeitas a combinações de stress hídrico e de calor, a primazia da resposta das plantas é para o arrefecimento das folhas, apesar de ser à custa da perda de água, sendo que esta só depois é mitigada, muitas vezes com ajuste osmótico.

A mitigação da perda de água precisa ser feita à custa da diminuição da evapotranspiração, ou seja, através do fecho dos estomas o que, obviamente, implica uma regulação fina entre o controlo deste processo e o controlo do arrefecimento das folhas, pois um ocorre à custa do outro. Esta regulação parece ser conseguida, em grande medida, pelo balanço entre os níveis de ácido abscísico (ABA) e ácido salicílico (SA) livres, e quando domina o ABA temos um maior fecho dos estomas e a consequente diminuição da taxa de arrefecimento das folhas; quando domina o SA temos uma maior taxa de evapotranspiração à custa de uma maior perda de água. Acontece que o maior fluxo de seiva xilémica, consequência do domínio de SA sobre ABA, parece ser também um motor de um balanço hormonal completamente diferente daquele que se estabelece quando o ABA domina sobre SA, e neste contexto parecem ser favorecidos os mecanismos de dissipação de energia excessiva que se acumula na fase de geração de energia da fotossíntese e que ocorre nas membranas dos tilacóides.

Vários estudos têm revelado que a submissão das plantas a calor moderado, dentro da escala que podemos considerar para cada espécie, pode beneficiar largamente a sua capacidade de adaptação tanto a temperaturas elevadas como a grandes intensidades luminosas, algo que ocorre anualmente no período primaveril e que ocorre diariamente na adaptação às amplitudes luminosas e térmicas diárias. Quanto maior for a rapidez e eficiência de resposta das plantas a essas variações, maior a sua capacidade de adaptar o seu metabolismo atempadamente e maior será a sua capacidade de sobrevivência. E isto pode ser conseguido através de “treinos” das plantas a que chamamos “aclimatação”, e que são sempre realizados, por exemplo, na passagem do ambiente de estufa para o ambiente exterior. No entanto, desafiar as plantas com factores controlados resulta numa maior adaptação no sentido promovido pelos factores. O principal resultado é, não só a aclimatação a dois factores ambientais (luz e temperatura) mas também a um terceiro factor, o ataque de agentes patogénicos, particularmente os biotróficos. A manutenção da dominância do SA sobre ABA, promovida pela manutenção do elevado fluxo xilémico e pelos mecanismos de dissipação de energia excessiva nos tilacóides, parecem estimular a imunidade das plantas e contribuir para gerar uma resposta hipersensitiva, ou amplificar a que já possuíam, conseguindo debelar uma infeção na fase inicial ou controlar o número e dimensão dos focos de infecção nas estruturas vegetais. Em conclusão, a produção agrícola pode usufruir muito, a curto e médio prazo, de um desenvolvimento tecnológico que permita captar e reter mais água sob vários estados físicos e promover uma aclimatação orientada das plantas em cultivo para enfrentar o aquecimento global.

 

Sílvia Palma Ferreira

Doutorada em biologia molecular de plantas, especialista em efeitos do calor sobre as plantas

Promotora da Yellowpaper 

 

 

 


Publicado

em

por

Etiquetas: