Fenalac

Administração Indiferente à Actual Situação do Sector Leiteiro Nacional

Como é do conhecimento geral os mercados agrícolas atravessam uma fase de acentuada agitação, fruto do generalizado aumento dos preços dos factores de produção e, consequentemente, dos bens agrícolas. O sector leiteiro não é excepção, sendo de destacar o aumento dos preços de leite ao produtor em consequência da forte quebra da produção. Com efeito, a produção de leite no Continente sofreu, na campanha 2006/2007, uma diminuição na ordem dos 70 milhões de litros de leite, enquanto que na campanha em curso, iniciada em Abril de 2007 e que termina em Março de 2008, prevê-se uma quebra na ordem dos 140 milhões de litros de leite, o que representa um subpreenchimento na ordem dos 10% da quota alocada ao Continente.

Face a este cenário de instabilidade, incerteza e alguma desmotivação, decorrente ao abatimento da nossa capacidade produtiva, a postura da Administração, ao invés de motivadora, tem sido de alheamento em determinadas situações, de total desacerto noutras e ainda de agravamento dos problemas nas restantes situações. Entendemos que cabe ao sector organizar-se de forma a trilhar o caminho da competitividade e ultrapassar as dificuldades que se lhe colocam. Contudo, a Administração tem a obrigação de criar as condições propícias ao desenvolvimento da actividade.

A título exemplificativo enunciámos quatro matérias da maior importância, que denotam o comportamento da Administração face a este sector:

1. PLANO DE DESENVOLVIMENTO RURAL
O apoio ao sector no âmbito do Plano de Desenvolvimento Rural (Proder – 2007-2013) é crucial para inverter algum desânimo que reina no sector. Face à tentação de abandono da produção potenciada pelo desligamento das ajudas ao leite, o Proder pode constituir a alavanca de motivação para os Produtores investirem na continuação da actividade e melhorarem os seus padrões competitivos, apostando na expansão das explorações e na respectiva produção.

Contundo, o Proder praticamente passa ao lado do sector leiteiro, desde já não o considerando estratégico, o que significa que o seu acesso aos fundos comunitários será mais difícil e as respectivas taxas de comparticipação serão substancialmente menores que as aplicados aos restantes sectores. Além disso, o Proder não apresenta qualquer referência aos problemas particulares do sector, nomeadamente os estrangulamentos ambientais ou, genericamente, os decorrentes do licenciamento.

Em devido tempo a FENALAC alertou a Administração para estas incongruências tendo os seus argumentos recolhido a aparente receptividade da tutela. No entanto, fomos surpreendidos com a nova versão do Proder publicada no passado dia 3 de Outubro, a qual ao invés de acautelar os interesses do sector, vem penalizá-lo ainda mais, sendo que algumas das alterações constituem autênticas afrontas explicitas ao sector leiteiro, nomeadamente:

a diminuição da taxa de comparticipação dos investimentos específicos para as explorações leiteiras, incluindo investimentos ambientais, os quais passam a contar com um apoio máximo (incentivo não reembolsável) de 27%. Face à extensão dos trabalhos em matéria de reformulação das explorações e aos avultados custos envolvidos esta taxa de apoio é vexante.

a Medida 2.5 (Investimentos de requalificação ambiental) foi simplesmente eliminada, sendo que a FENALAC propôs anteriormente a sua reformulação, na medida em que entendia necessário eliminar o privilégio concedido aos investimentos de natureza colectiva. Tratava-se de uma medida com potencial interesse para maximizar o investimento ambiental nas explorações e que foi simplesmente suprimida.

a criação da medida 1.6.5 – Projectos Estruturantes – determina a possibilidade de apoiar investimentos relativos a adaptação ambiental desde que sejam de natureza colectiva. Não obstante a bovinicultura estar na lista de actividade elegíveis, o interesse prático desta medida para o leite é praticamente nulo, na medida em que é unanimemente reconhecido que a resolução do problema ambiental das explorações passa pela criação das condições que permitam a valorização dos efluentes pecuários enquanto fertilizante orgânico. Por outro lado, desconhecemos os interesses que se movem nesta limitação prévia e sem qualquer fundamento técnico dos investimentos individuais em detrimento dos colectivos.

2. MODULAÇÃO VOLUNTÁRIA
A última versão do Proder faz também referência à decisão de, a partir de 2008, aplicar os montantes relativos à modulação voluntária no apoio às zonas Rede Natura e à Medida 1.6.5 referido anteriormente.

Refira-se que por via da modulação serão retirados anualmente ao sector leiteiro cerca de 9 milhões de euros de ajudas directas, sendo que neste cenário serão totalmente transferidos para áreas alheias ao sector. Com efeito, ao contrário do prometido pela tutela, este montante não será utilizado para, ao nível do Desenvolvimento Rural, resolver os estrangulamentos ambientais de que as explorações leiteiras padecem. Mais uma vez o tratamento dado ao sector leiteiro é de total indiferença e mesmo de desfaçatez.

As promessas de apoiar financeiramente os investimentos ambientais nas explorações no âmbito do processo de licenciamento proferidas pelo Senhor Ministro da Agricultura no dia 21 de Abril de 2006 perante um milhar de produtores de leite, aquando da realização de um Seminário promovido pela FENALAC na Vila da Feira, não só não foram cumpridas, como ainda foi o sector penalizado em matéria de ajudas directas por via da aplicação da modulação voluntária.

3. LICENCIAMENTO DA ACTIVIDADE
O sector dispõe de um enquadramento em matéria de licenciamento da actividade de produção de leite desde 2005. No entanto, o mesmo nunca foi aplicado na sua plenitude pois surgiram determinadas lacunas no processo administrativo, nomeadamente no que concerne ao papel das Câmaras Municipais. Sendo assim, o sector está na expectativa de publicação de novas normas desde 2005, prejudicando seriamente o lançamento de novos investimentos e a adaptação das unidades produtivas já existentes. De destacar que a preparação no novo diploma de licenciamento já leva mais de um ano, sendo que os documentos preparatórias já conhecidos não auguram nada de bom. De facto, os textos estão repletos de preciosismos ambientais desfasados da realidade nacional e comunitária e de tiques persecutórios sobre os agentes sectoriais que em nada contribuem para a competitividade da actividade e para a elevação dos patamares ambientais.

4. QUOTAS LEITEIRAS
A defesa por parte da tutela do aumento das quotas leiteiras da UE e a minimização do imposição suplementar (multa) em caso de ultrapassagem das quotas nacionais e individuais, no sentido de contarrar a quebra da produção é também desconcertante.

Não entendemos que o aumento da quota ou a redução da imposição suplementar beneficie o nosso mercado, na medida em que a produção de leite, desde 2006, encontra-se abaixo do limite imposto pela regulamentação comunitária (na ordem dos 5%). Será que a intenção é aumentar por via administrativa a produção de leite?

Esta proposta pode inclusive ser contraproducente do ponto de vista do interesse nacional, pois beneficiará genericamente os Estados-membros com aparelhos de produção mais competitivos e que mais facilmente podem tirar partido das oportunidades que o mercado global presentemente proporciona.

Num plano diferente, somos da opinião que as propostas defendidas pela tutela podem também ser prejudiciais no âmbito da “Avaliação da PAC” de 2008, pois os aumentos de quotas e a redução da imposição suplementar enquadram-se numa estratégia de “aterragem suave” defendida por aqueles que pretendem eliminar, logo que possível, o sistema de quotas na UE. Recordámos que este é o cenário mais assustador e prejudicial para a fileira láctea nacional, na medida em que sendo o sector apresentado a nível interno como exemplo de modernização, os seus níveis de competitividade estão ainda longe dos registados na maioria dos restantes parceiros comunitários.

Assim, um desmantelamento antecipado, apressado e sem contrapartidas do sistema de quotas na UE poderia ser dramático para a fileira, colocando inclusive em causa o abastecimento em matéria-prima da indústria e, por essa via, a criação de riqueza nacional.

O sector leiteiro nacional tem sido justa e repetidamente apresentado como exemplo de sucesso no âmbito da Agricultura e mesmo da economia nacional, sendo que os seus indicadores são bem demonstrativos do bom desempenho (ver gráficos). No entanto, face ao tratamento que está a ser presentemente sujeito pela Administração, os discursos oficiais poderão, a curto prazo, sofrer alterações consideráveis, pois lamentavelmente não será mais possível incluir o leite na reduzida lista de casos de sucesso da economia nacional. No fundo, o que está em causa é a responsabilidade histórica desta Administração ficar associada ao descalabro de um sector que resistiu a todos os choque de competitividade e sempre os consegui ultrapassar. Pelos vistos corre agora sérios riscos de sucumbir face à indiferença e à ligeireza a que está sujeito.

Porto, 16 de Outubro de 2007

FENALAC – Federação Nacional das Cooperativas de Leite e Lacticínios, FCRL


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