O Brasil insistiu em acolher a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP30) na cidade amazónica de Belém, no Pará, para colocar as florestas no centro das negociações sobre a forma de travar o aquecimento global. Porém, quando os delegados de quase todos os países concluíram as tensas conversações sob o calor húmido da floresta tropical, o resultado para as árvores e os seus guardiões, embora sem precedentes, foi agridoce.
Os países desbloquearam milhares de milhões em novos fundos para as florestas e a conferência contou com a participação de um número recorde de delegados indígenas.
Ainda assim, mesmo quando o acordo final reconheceu que os líderes estavam reunidos no coração da floresta tropical, as nações não conseguiram chegar a acordo sobre um plano para manter as árvores intactas, como prometeram repetidamente nos últimos meses, confiando em vez disso num roteiro voluntário.
“Havia uma enorme expectativa de podermos sair com algo mais concreto”, disse Carlos Rittl, director de políticas públicas da organização sem fins lucrativos Wildlife Conservation Society, acrescentando que o acordo final não deu as respostas “que a Amazónia pediu e que o mundo esperava.”
COP da Floresta sem florestas
A semana em Belém começou de forma optimista, com o lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), do qual Portugal foi o primeiro contribuidor, com o Primeiro-ministro Luís Montenegro a anunciar o investimento de um milhão de euros. Já na segunda semana da COP30, depois da reunião com o presidente Lula da Silva, a Alemanha prometeu mil milhões de euros para este mecanismo que apoiará a conservação global de florestas ameaçadas, aumentando as contribuições totais para quase sete mil milhões de dólares. O maior investidor, até agora, é a Noruega, que garantiu três mil milhões de dólares para o TFFF.
No entanto, o evento terminou com uma nota amarga, com os negociadores a retirarem do acordo final um roteiro proposto para acabar com a desflorestação, o que teria exigido que os países mostrassem como tencionam cumprir o compromisso de desflorestação zero para 2030, assumido há dois anos na cimeira do clima do Dubai.
“Era suposto esta ser a COP da Floresta. Hoje não tenho a certeza se é a COP da Floresta”, afirmou Juan Carlos Monterrey, o carismático chefe da delegação do Panamá, horas depois de saber que o roteiro tinha sido abandonado.
Esta decisão da Presidência é vista como um “prémio de consolação” por organizações como a Greenpeace, que atribui o resultado fraco neste domínio à forte influência do lobby da indústria fóssil e da agricultura industrial, que tem sido bem-sucedido em “travar avanços e baralhar o jogo”.
Essenciais para o clima
As florestas tropicais, que retêm enormes quantidades do carbono que aquece o planeta, nunca estiveram tão ameaçadas de destruição, juntamente com os milhares de comunidades e espécies animais e vegetais que nelas habitam. Os enormes incêndios alimentados pelas alterações climáticas levaram a que a perda global de florestas batesse recordes no ano passado, enquanto as terras agrícolas continuam a expandir-se à custa do abate de árvores em países em desenvolvimento que detêm as maiores áreas de florestas virgens.
Embora os compromissos globais em matéria de conservação tenham sido deixados, de um modo geral, para a cimeira mundial sobre a biodiversidade – um fórum com um impacto historicamente menor -, a natureza tem estado cada vez mais presente nas negociações sobre o clima.
“As alterações climáticas e a perda de biodiversidade são duas faces da mesma moeda”, sublinha María Heloísa Rojas Corradi, ministra do Ambiente do Chile.
Copo meio cheio?
As florestas tropicais receberam mais dinheiro em Belém do que em qualquer outra cimeira sobre o clima. O governo brasileiro espera ainda que outros países, como a China e os Emirados Árabes Unidos, anunciem contribuições para o TFFF, para que este possa atingir dez mil milhões de dólares até ao final do ano. Os países europeus também anunciaram o seu apoio a uma iniciativa de 2,5 mil milhões de dólares para ajudar a proteger a floresta tropical da bacia do Congo.
Depois de não ter conseguido que os países chegassem a acordo sobre um roteiro para travar e inverter a desflorestação, a presidência brasileira da COP30 apresentou um roteiro voluntário, juntamente com outro para o abandono dos combustíveis fósseis, disse o presidente da cimeira, André Corrêa do Lago, no plenário final.
À margem das negociações, diferentes governos e empresas anunciaram também milhões de dólares em novos programas para produzir carne de vaca mais “amiga da floresta”, reforçar a cadeia de abastecimento de produtos florestais e outras medidas.
“Por todas estas razões, eu consideraria a COP30 um sucesso para as florestas”, afirmou Frances Seymour, conselheira política do Centro de Investigação Climática Woodwell, dos EUA. A chamada COP das florestas, adianta a conselheira, é vista como uma grande oportunidade para os povos indígenas terem um lugar mais importante à mesa, em parte devido ao seu papel na protecção de ecossistemas ameaçados como a Amazónia.
Presença dos povos indígenas
Nunca uma cimeira sobre o clima tinha recebido tantos povos indígenas. Estiveram presentes cerca de três mil líderes de países de todo o mundo, segundo Toya Manchineri, que dirige a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazónia Brasileira (COIAB).
Os povos indígenas obtiveram algumas vitórias que também podem ajudar a manter as florestas intactas: o Brasil anunciou a demarcação de dez novas terras indígenas, cobrindo quase 1,6 mil quilómetros quadrados, e cerca de um quinto do TFFF deverá ser destinado às comunidades indígenas que protegem as florestas.
A “Declaração do Mutirão” reconheceu, pela primeira vez, os direitos à terra dos povos indígenas como uma solução para as alterações climáticas. Toya Manchineri, contudo, lamenta não se ter ido mais longe. Falta ao texto uma linguagem específica sobre reconhecimento de que a demarcação de terras indígenas é uma política climática, incluindo a necessidade de participação plena e efectiva das comunidades e o acesso directo ao financiamento. “Mas o facto é que saímos daqui, enquanto movimento indígena da Amazónia, muito mais fortes.”