Afinal qual é a situação da agricultura e da alimentação em Portugal? – João Dinis

A propaganda oficial e oficiosa repete que a Agricultura Portuguesa vai de vento em popa; que está “competitiva” e na moda; que Portugal está à beirinha de ser “auto-suficiente” em produções agro-alimentares; que os Jovens Agricultores se instalam em barda; que a Ministra da Agricultura e o Governo estão a fazer “coisas boas” como antes nunca se viu; etc; etc. Sim, estas são as tónicas da “cassete” propagandística do momento.

Bem, e se assim fosse, de facto, isso até seria muito bom. Mas não é, não é…desde logo porque estamos debaixo da violência deste autêntico programa de desastre nacional do Governo e das Tróikas que nos corta em tudo aquilo de que mais precisamos para trabalhar e viver e nos impõe aumentos brutais de impostos.

Mas, para começar, reconheça-se que, com o actual Governo, entrou em melhor ritmo uma grande parte dos pagamentos das várias Ajudas Públicas ao sector, matéria que, com o anterior Governo, estava pelas horas da morte. Porém, por exemplo, este Governo ainda não pagou as dívidas que tem para com os Produtores Pecuários – cerca de 10 milhões de Euros referentes a 2012 – pelos serviços prestados pelas OPP, Organizações de Produtores Pecuários, no âmbito da Sanidade Animal e não dá garantias de pagamento dos encargos relativos a 2013. Ora, esta situação ameaça gravemente a Produção e o Comércio Agro-Pecuários e a própria Saúde Pública.

A verdade é que não pára a especulação com os preços dos principais Factores de Produção (combustíveis; energia; rações; adubos; sementes; crédito bancário; sanidade animal; etc). Especulação reinante que é um dos grandes problemas sem combate a nível das políticas oficiais.

Por outro lado, podem atingir cerca de 150 milhões de Euros, em 2012 e 2013, os cortes nos Orçamentos de Estado destinados ao PRODER…que está fechado à maior parte de novas candidaturas por faltar verba…

É verdade que as exportações de Hortícolas atingiram mais de mil milhões de Euros em 2012, valor impensável há dez anos atrás. Mas “quem paga a factura” a trabalhar nas grandes empresas de produção/exportação? Muitas vezes, é mão-de-obra “importada” e sobre-explorada… E qual é o modo produção – nessas e em outras explorações/produções – que potencia esses valores em “negócios” ? É o modo de produção (super)intensivo que acaba por delapidar o ambiente, os solos e águas, os ecossistemas, e não assegura a qualidade alimentar dos Produtos…

Propagandeia-se a iminente “auto-suficiência” no Olival/Azeite (por exemplo) mas omite-se que as explorações super-intensivas estão a arruinar a Produção Nacional familiar e mais tradicional em Olival/Azeite nas regiões sem alternativa a estas culturas.

E que interessante (…) seria saber-se que empresas do “import” e do “export” – as empresas do “agro-business” – pagam impostos em Portugal e quanto pagam elas… Mas podemos prever que a maior partes dessas grandes empresas anda a “exportar” esses impostos para paraísos fiscais e a “exportar”, também, as mais-valias obtidas dentro do nosso País tantas vezes, repete-se, à custa da sobre-exploração da mão-de-obra e dos nossos recursos naturais !

Entretanto, este Governo, com esta Ministra proveniente de um partido político cujo “líder”, Paulo Portas, “viveu” da propaganda de ser o “amigo” dos Agricultores ( e dos Feirantes), anda a engendrar – a partir do Orçamento de Estado, 2013 – um sistema de agravamento fiscal precisamente para penalizar/eliminar os pequenos Agricultores ( e os Feirantes também).

Aliás, este Governo – com esta Ministra – não tomou uma única medida governamental, específica, de apoio às Pequenas e Médias Explorações Agrícolas e antes pelo contrário.

Pois, no contexto, a CNA acaba de propor ao MAMOT que reabram, já, as candidaturas PRODER pelo menos – pelo menos – à medida dos pequenos investimentos ( até 25 mil euros). Vamos a ver o que acontece…

Quanto à instalação de Jovens Agricultores, é verdade que se têm instalado bastantes, o que é positivo, à partida. Entretanto, necessário é fazer-se uma boa “radiografia” à respectiva situação para sabermos melhor quem são esses Jovens Agricultores, quem são os seus pais e que fazem estes, que vão produzir e em que tipo de Explorações, quais são, de facto, as suas expectativas reais perante a profissão – Agricultor – que abraçam (se é que a abraçam…).

Noutro plano, fala-se nas Frutas…na Floresta…mas omite-se que pragas e doenças estão a dizimar os Pomares, assim como dizimam a Floresta e a Vinha, com este Governo a “assobiar para o lado” enquanto trabalha para facilitar as negociatas das multinacionais com os agora chamados “fitofármacos”.

PORTUGAL ESTÁ CADA VEZ MAIS PERIGOSAMENTE DEPENDENTE DO ESTRANGEIRO EM BENS AGRO-ALIMENTARES INCONTORNÁVEIS

A verdade mais preocupante é a contínua redução da Produção Nacional em Cereais, Carne e Leite. Mesmo o relativo potencial do Milho advém, hoje, da mais do que controversa utilização de sementes transgénicas em áreas de regadio mas com todos os perigos em termos de possíveis contaminações… Por outro lado, muito Milho está a ser transformado em bio-combustível e não em base alimentar.

Hoje, como antes, no campo das Ajudas Financeiras Públicas, 5% dos beneficiários – os grandes proprietários absentistas e o agro-negócio – recebem 95% do total dos fundos públicos destinados à Agricultura e ao Desenvolvimento Rural.

No caso dos grandes proprietários absentistas, pode dizer-se que recebem, do erário público, uma espécie de “rendimento máximo garantido” através das Ajudas Directas do agora RPU, Regime de Pagamento Único – e sem a obrigatoriedade de produzirem ! Este aspecto da injusta e “inútil” forma de distribuir grande parte das Ajudas Públicas da PAC – sem obrigatoriedade de produzir – constitui, por ventura, o maior crime económico e social do sistema ao longo de 27 anos, já, de aplicação, ao nosso País, da “PAC-Política Agrícola Comum” e das políticas agro-rurais, complementares, de matriz nacional. Isto acontece agora, note-se, com um Governo tão ferozmente inimigo dos necessitados que recebiam as “esmolas” do ainda agora conhecido como “rendimento mínimo garantido” !…

Ao mesmo tempo, verifica-se a “capização” – pura e dura – dos organismos do Ministério da Agricultura a pontos de já não se saber onde começa o Ministério e acaba a CAP e vice-versa… Ao mesmo tempo, afloram tentativas, por parte da Ministra da Agricultura, para a discriminação institucional da CNA e da Agricultura Familiar.

DÉFICE “SUICIDA” EM CEREAIS. TAMBÉM JÁ EM CARNE. E A SEGUIR NO LEITE…

Particular atenção deveria ser dada à produção nacional (cereais; oleaginosas; proteaginosas; silagens; forragens) de componentes destinadas às Rações e, em geral, à alimentação para os Gados. É que, neste sub-sector, a dependência nacional é simplesmente “suicida”. Na produção de Cereais, estamos a produzir abaixo de 20% do consumo ( e a reduzir cada vez mais…), com um défice comercial, anual, próximo dos mil milhões de Euros, sendo que o actual consumo de Cereais está abaixo das nossas necessidades efectivas também em termos de alimentação humana directa.

Por outro lado, acontece que, reconhecidamente ou não, a Alimentação Animal, com a inerente transformação da proteína vegetal em proteína animal para consumo humano, continua sendo o “núcleo duro” das políticas agrícolas, alimentares e agro-comerciais na maior parte do mundo. Daí, a influência global da especulação promovida pela Bolsa de Chicago nesta matéria (cereais em especial)… Daí o peso-pesado da China no comércio da Soja (transgénica ou não).

Ora, em Portugal, a produção de componentes para Rações – e a produção “acoplada” de Cereais, Leite e Carne – não têm sido, nem de longe nem de perto, prioridades reais para sucessivos (des)Governos. A consequência estratégica deste erro colossal é a parte mais tangível do comprometimento da Soberania Alimentar e da própria Segurança Nacional. Estamos já perigosamente dependentes do estrangeiro e a agravar cada vez mais a situação ! Entretanto, uma conhecida “família”, com fortes ligações ao actual Governo, reina no negócio especulativo das importações de Rações…

PRODUZIR PARA ALIMENTAR. EIS A QUESTÃO. EIS OUTRO ERRO ESTRATÉGICO…

A propaganda oficial e oficiosa bate a tecla da iminente auto-suficiência alimentar. É um embuste. Nem nunca seremos “auto-suficientes” do ponto de vista geral das nossas necessidades alimentares e, tal como vão as coisas, nem tão pouco chegaremos a um equilíbrio entre os valores – balança de pagamentos com o exterior – das exportações e das importações de bens agro-alimentares em que o défice do País continua superior a três mil milhões de Euros por ano.

No contexto, mais do que produzir – seja lá o que for e seja lá como for – para exportar, temos que passar a produzir prioritariamente para a nossa alimentação diária, para garantir a Soberania Alimentar e a Segurança Nacional.

Sim, temos que produzir mais e melhor; produzir alimentos para consumo interno; o que não tem acontecido. Temos pois que emendar mais outro grave erro estratégico.

O grande “negócio agro-alimentar” – aqui incluídos os Hipermercados – não pode continuar a ser o grande privilegiado do sistema vigente do que resulta manifesto prejuízo para os pequenos e médios Agricultores, para a pequena e média Agro-Indústria, para os modos de produção não-intensivos, para a alimentação saudável e acessível da População. O ambiente e os recursos naturais também isso mesmo reclamam.

O problema é que, um dia destes, numa curva mais apertada da história, não poderemos alimentar-nos comendo ramagens de eucalipto…comendo “bifes” de cortiça ou de aglomerados…

E numa crise alimentar aguda – numa crise financeira descontrolada – será cada um por si e salve-se quem puder… Estamos a falar de países e regiões. Não de pessoas. Mas vão ser as pessoas a sofrer ainda mais com os erros estratégicos que os mandantes e os mandados deste sistema não param de cometer. E que cometem assim destruindo o verdadeiro interesse nacional e os interesses sócio-económicos dos Agricultores e da quase totalidade da População ! Assim, estão a “condenar-nos” à desnutrição e à fome… Não se pode permitir !

João Dinis

A “teoria – fraude” da “competitividade” – João Dinis


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