Na quinta do cabo-verdiano Pedro Rocha, produzir biogás com excrementos de suínos já permitiu poupar 2.700 euros e o agricultor quer agora usar uma Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) no Mindelo para produção alargada.
“Tenho um encontro com o vereador da Câmara Municipal de São Vicente e vamos começar a fazer uma experiência na ETAR e na lixeira da Ribeira de Vinha. Com o material da ETAR e o clima que temos aqui, estou a ver o biogás como uma grande empresa”, afirmou este empreendedor, em entrevista à Lusa.
Tudo começou a “dar certo” na sua produção caseira, com recurso aos excrementos de suínos, projeto que, face à crise de preços na energia, admite que poderá em breve ser adaptado noutros pontos da ilha e no futuro transformar-se num projeto, com o intuito de abranger toda população.
Na lixeira da ilha de São Vicente, o objetivo é começar a fornecer o gás que ali quer produzir à comunidade carenciada que vive nas imediações e, depois, através da ETAR alargar esse fornecimento à ilha, em três anos.
Tudo porque a experiência que o juntou ao engenheiro Marcos Cruz rapidamente se fez sentir nos seus bolsos.
“Antes da pandemia gastava em torno de 8.000 escudos [72 euros] por mês para comprar gás, mas agora tenho gás o ano inteiro e tem tido um bom impacto na minha economia. Nestes três anos já poupei em torno de trezentos mil escudos [2.700 euros], o que é um saldo muito positivo”, sublinhou.
Contou que a ideia surgiu numa visita ao Brasil, ao observar a produção do próprio gás em quintas, que adaptou, com sucesso, para a ilha de São Vicente e recorrendo aos excrementos dos animais que cria e água do poço.
“Tentei fazer o mesmo aqui. Então falei com o engenheiro eletrotécnico Marcos Cruz e começámos a montar o projeto. No início produzíamos uma quantidade que acabava depressa, depois passámos a aumentar a produção e neste momento estamos sustentáveis em gás”, assegurou Pedro Rocha.
Para esta produção de biogás, explicou que usa aproximadamente cem quilos de excremento de porco e cinquenta litros de água que tira do poço. Assim, nesta terra, com uma área delimitada em 13 mil metros quadrados voltada para a agricultura e criação de centenas de animais, nada se perde.
“O gás é ligado diretamente ao fogão e por dia, se o gás fica muito tempo ligado, gastámos em torno de cinquenta quilos de gás. Depois de passar pelo processo, o estrume transforma-se em NPK [Nitrogénio, Fósforo e Potássio] ou composto, que serve para a agricultura”, explicou ainda o dono da quinta, que inclusive começou a comercializar o produto NPK.
Conta ainda que usa filtros de combustíveis para retirar o odor do biogás utilizado para cozinhar e no matadouro que tem no próprio terreno.
Com o sucesso da experiência na quinta de Pedro Rocha, que pretende alargar para os vizinhos, colocou em andamento um projeto, do mesmo engenheiro que fez parte deste teste, de montar uma empresa para produção de biogás e dar à população de São Vicente novas soluções, sobretudo mais económicas.
Apesar de congelado desde abril por decisão do Governo, face à forte escalada no mercado internacional, o preço do gás butano nos últimos meses tem sofrido aumentos também em Cabo Verde. Em maio de 2021, uma garrafa de gás de 12,5 quilos custava 1.592 escudos (14,40 euros). Um ano depois, esse preço subiu 39%, e cifra-se agora em 2.213 escudos (20 euros).
Autossustentado em energia, Pedro Rocha, que é natural da vizinha ilha de Santo Antão e radicado em São Vicente desde os anos 1980, já não receia esta oscilação de preços, mas considera que a população deveria passar a consumir mais o que é nacional, em vez de importar.
“O que é daqui normalmente não tem muita saída, se comparado com o que vem de fora. Temos de dar valor aos nossos agricultores, aos nossos criadores e aos nossos médicos também”, defendeu.
No seu terreno agrícola produz variedades de legumes, frutas e verduras que fornece aos mercados e à Fundação Cabo-verdiana de Ação Social e Escolar (FICASE), que direciona os produtos às cantinas das escolas. Além disso, vende leite a uma empresa local de produção de queijo.
Na quinta, tem realizado experiências, além da produção de biogás, em que algumas dão certo e outras são descartadas. Uma delas consiste na produção de ração para os animais, através de forragem hidropónica.
“Adaptei esta quinta para poder alimentar os animais, mas depois tive de parar porque apareceram muitos ratos e eu não os conseguia combater”, lamentou.
Este agricultor – que começou a trabalhar como auxiliar num carro que distribuía água, depois como ajudante de cozinheiro num dos hotéis da cidade, antes de ser cozinheiro num navio – emprega diretamente seis trabalhadores. Chegou a ser proprietário de uma conhecida discoteca, mas decidiu mudar de estilo de vida.
“O meu sonho era viver num lugar onde pudesse fazer coisas diferentes, queria um espaço diferente, viver em contacto com a natureza e realizar as minhas experiências. O meu desejo era ir dormir às seis e acordar às seis”, rematou.