Agricultura com IVA sem ativos biológicos (37) – Ofélia Vieira

Depois de celebrada a quadra natalícia, ainda com restos de bolos das festas e convívios de Natal, eis que se instala um autêntico alvoroço social e guerrilha de opinião sobre a governança por conta do OE2013, naturalmente como são as contrariedades e contraditórios da vida e do homem, como ser vivo politizado enquanto governado.

Uma das relevantes alterações da fiscalidade no ano agora iniciado, que ainda cheira a novo, é o fim da isenção (artº9) do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) nas atividades agrícolas.

Forma jurídica do produtor agrícola e dimensão das explorações agrícolas

Desde logo, tenho uma dupla missão em abordar tal matéria. Primeiro, porque faz quase um ano que escrevi um artigo criticando os efeitos da renúncia à isenção do IVA na agricultura, sabendo que raramente é cumprido o que determina o nº1 do artigo 5º do anexo ao Decreto-Lei nº 418/99, de 21 de outubro e o controlo das existências em contabilidade organizada sem ativos biológicos. Segundo, porque agora, durante estas primeiras semanas do mês e do ano, tenho sido contatada frequentemente, por agricultores que solicitam esclarecimento, informação e respetivas instruções, e serviços relacionados com tal obrigatoriedade.

Na verdade, desde a implementação obrigatória do IVA resultante da nossa integração na União Europeia, é a primeira vez que os produtores agrícolas se igualam à fiscalidade da maioria das restantes atividades económicas, o que por si só já provoca alguma ansiedade, sem antes conhecer objetivamente as verdadeiras consequências. Dirão muitos, ou quase todos os contribuintes: “ainda bem, já era tempo dos agricultores também pagarem impostos!” Dito isto, quem vai ficar na memória como responsável por tal decisão pela equidade, é o Gaspar, não o rei mago nem o gato do deputado Honório Novo, mas o tal, da troika. Então alívio meu, porque livre de qualquer preconceito ou ideologia político-partidária sectária, tenho a concentrar-me apenas e só sobre os efeitos contabilísticos nas atividades agrícolas, pela obrigatoriedade de tal imposto.

Porém, inevitavelmente surge outra questão ou bloqueio, tanto ou mais controverso ainda, não sobre os efeitos na aplicação do IVA como política fiscal, mas com a natureza da contabilidade, conforme normativos harmonizados ou não em curso devido ao SNC – sistema de normalização contabilística.

Pela envolvência de novas regras de faturação conforme determina o Dec-Lei nº 197/2012 de 24 de agosto, está a ser prática corrente a recomendação dos agricultores aderirem à contabilidade organizada, tal como é imputado às grandes empresas, e sociedades comerciais, que tem por base a tipologia da contabilidade por partidas dobradas.

Só que esta presunção dá início a uma nova e enorme confusão em matéria contabilística na agricultura. O SNC, obrigatório desde 2010, determina um normativo próprio para a atividades agrícolas (contas 37 para animais e plantas, vivos), tal como é harmonizado e preconizado (IAS41). Mas tal normativo específico e regulamentado internacionalmente para a agricultura, foi entretanto afastado no nosso país, por razões subjacentes a elevados custos de contexto. O legislador produziu então outras normas com sistema de contas e princípios adaptados do plano de contabilidade antes geralmente aceite denominado POC, para agora ser generalista e único o sistema de contas. São portanto omissas em contabilidade organizada, para as pequenas e médias empresas assim como para as micoentidades, as contas dos ativos biológicos, que são os principais ativos responsáveis pela produção agrícola – agricultura.

Perante tal cenário, é fácil deduzir as consequências dos agricultores que optarem por contabilidade organizada. As contas dos ativos biológicos são fundamentais, porque são a base da tipologia da contabilidade destinada a informar as entidades financeiras (IFAP,I.P.) para os agricultores enquanto beneficiários dos programas de desenvolvimento rural PRODER, PRORURAL e PRODERAM. Daí já ser possível prever que tais consequências vão contribuir para o aumento do custo de contesto, pela existência de duas contabilidades de tipologias diferente (fiscalidade e gestão) para além da ambiguidade do reconhecimento dos subsídios à exploração no sistema de contas para as microentidades ser contabilizado obrigatoriamente como capital próprio (conta 5), o que obriga a serem reconhecidos e tributados como Outros rendimentos / mais-valias. E semelhante polémica já ocorreu em 2008 relativo aos rendimentos dos produtores agrícolas singulares – categoria B, que só teve um final feliz a nível nacional graças a intervenção de pareceres de fiscalistas.

Ora o que devo então recomendar aos agricultores como boa prática de gestão, duvidando eu que tais bloqueios ou controversas apenas existem porque implícitas a interesses corporativos, que são de todo contra os objetivos e recomendações do tal Gaspar e troika?

Para o ano, se tiver oportunidade e a mesma motivação, vou aferir as minhas previsões e conclusões, enquanto 87% das explorações agrícolas vão ficar ao abrigo do CIVA – sem contas dos ativos biológicos (37). Por enquanto, vou retomar alguma tranquilidade porque em breve vai dar início os preparativos dos enredos e ensaios, para a grande festa popular que se aproxima na minha terra. Bom Carnaval!

(*) Definição no RA09 – VVP é o valor monetário médio da produção agrícola numa região, obtido a partir dos preços de venda à porta da exploração. É expresso em hectare ou cabeça de gado, conforme o sistema de produção, e corresponde á valorização mais frequente que as diferentes produções agrícolas têm em determinada região.

Ofélia Vieira
TOC, Engª agrária


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