Parece que vai ganhando bastante reconhecimento a ideia de que a agricultura de precisão (AP) / “smart farming” é uma das vias mais consistentes para a intensificação sustentável e, portanto, uma realista oportunidade para aumentar a produtividade dos recursos e fatores, reduzindo custos e impactes ambientais. Na sessão “que futuro para a PAC” no recente Congresso do Milho organizado pela ANPROMIS, foram várias as referências ao tema (algumas completamente explicitas pelo Eng. João Pacheco do Think-Tank Farm Europe) com a anuência dos restantes membros do painel que incluiu o Prof. Francisco Avillez, Eng. Eduardo Diniz e Eng. Luís Bulhão Martins. O próprio Comissário Europeu para a Agricultura, Phil Hogan, afirmou no ultimo FFA – Forum for the Future of Agriculture realizado em Bruxelas que “a implementação da agricultura de precisão na Europa era um desafio pessoal já que permite atingir a meta da intensificação sustentável”.
Para quem investiga e divulga a AP em Portugal há 20 anos (o conceito – na sua versão moderna – surgiu no final dos anos 80 nos EUA e a primeira publicação em Portugal data de 1996 1), vive-se um momento de algum entusiasmo pelo interesse que a AP está finalmente a gerar também junto dos produtores mais inovadores (sim, já há uma comunidade de adotantes com uma dimensão interessante!). Finalmente, também é muito motivador a disponibilização no mercado de novas ferramentas cada vez mais completas, funcionais e baratas, quer seja o Sentinel 2 da ESA, quer seja a nível de inúmeras opções de hardware (monitores, sensores, dispositivos IoT, etc), quer ainda a nível de software (FMS , CMS, etc.).
Infelizmente persistem alguns mitos que urge refutar com factos, em que alguns exemplos são:
– “A Agricultura de precisão é tecnologia cara” – Primeiro: A AP não é uma tecnologia, mas um processo de gestão, é mais propriamente um sistema cultural baseado no input “conhecimento” para melhorar a eficiência e eficácia (otimização) do uso de recursos e fatores de produção no espaço e no tempo. Algumas das componentes essenciais de aquisição de dados são até gratuitas (e.g. imagens do Sentinel 2 ou cartas de produtividade fornecidas gratuitamente por prestadores de serviços);
– “Só é rentável em grandes áreas de cultivo” – Fruto da desmitificação do ponto anterior, este mito é completamente injustificado havendo, contudo, limiares de rendabilidade a atender em aplicações mais avançadas. Como referência, a condução assistida por GPS apresenta limiares de rendabilidade médios inferiores a 50 ha;
– “Só é rentável em culturas com retorno elevado” – Certamente que o nível de aplicação da AP não deve ser o mesmo em todas as culturas e em todos os contextos por questões de racionalidade económica, contudo, havendo escala, a justificação pode até ser maior em culturas com margens brutas mais curtas e onde há menor “folga” para falhas de gestão;
– “Só é aplicável com alfaias topo-de-gama” – O debate entre o retrofit (upgrade de máquinas existentes) e o OEM (Equipamento de fábrica) é aceso no seio da AP. Contudo, os factos mostram que em muitos equipamentos o retrofit é uma opção não só válida, como economicamente racional: adaptar uma ceifeira debulhadora com um kit de monitorização da produtividade numa operação de 15K euros vs. comprar uma nova ceifeira topo-de-gama equipada de fábrica (400 K euros);
– “Para que quero cartas de produtividade e de NDVI se ainda não tenho distribuidor de adubo com GPS para diferenciar as taxas de aplicação (distribuidor VRT)?” – A aplicação diferenciada de adubo ou qualquer outro fator de produção representa o culminar de um processo de recolha (fase 1) e análise de dados (fase 2) assim como de criação de cartas de prescrição (fase 3). Não é algo que surja de imediato (nem é bom indicador que tal aconteça!) no processo de adoção. Pelo contrário, justifica-se inteiramente que os produtores se dediquem primeiro a caracterizar e perceber a variabilidade, identificando as verdadeiras causas da variabilidade para depois atuar de forma informada e correta, minimizando o risco. Algumas ações corretivas que decorrem do processo podem até ser levadas à práticas sem um distribuidor VRT.
Mas nem tudo é um mar de rosas! Há problemas a resolver, há estrangulamentos que levam a que a adoção ao fim de tantos anos não seja generalizada, nomeadamente:
– A falta de formação, conhecimento e apuramento técnico – Apesar do notório reconhecimento que referi anteriormente, ainda há um longo caminho a percorrer no sentido de criar massa critica entre os diversos atores do setor sejam os produtores, os técnicos dos serviços, as empresas prestadoras de serviços e de venda de fatores e equipamentos, os decisores políticos e até os investigadores;
– Necessidade de mudança de paradigma – A AP apela à tomada de decisão e pensamento geográfico, distribuído, otimizado, baseado-em-factos dos sistemas culturais. A AP apela também há necessidade de inovação permanente. É difícil num área tão dinâmica, esperar que a tecnologia estabilize totalmente para depois adotar! É possível dar passos inovadores com risco muito calculado. É essencial que os produtores e suas organizações façam parte do sistema de inovação e não sejam apenas espectadores;
– Dificuldade de perceção do “roteiro de adoção” por parte dos utilizadores finais – Dada a abrangência do conceito (que vai muito além da aplicação diferenciada de fatores), a multiplicidade de aplicações, a grande dinâmica do mercado de equipamentos, software e serviços (“confusão tecnológica”), a necessidade de passar por uma fase de recolha intensiva de dados, a baixa “experimentabilidade” de alguns equipamentos, entre outras, nem sempre é fácil aos produtores percebem exatamente o que há a fazer para adotar a AP nas suas explorações ou até mesmo como calcular os limiares de rendabilidade do investimento.
Finalmente, elenco alguns princípios base que me parecem relevantes para uma adoção da AP com sucesso (mais orientado para a gestão das culturas embora adaptáveis à produção animal ou à gestão integral da exploração agrícola):
1) AP é um processo (de melhoria continua), não uma tecnologia (fazer umas imagens com drone não é adotar AP…; um trator não “tem” AP…).
2) O “focus” deve estar nos dados->informação->conhecimento, não na tecnologia (a tecnologia é um meio, não um fim);
3) A adoção deve começar pelo registo e colheita de dados (progressivo, à medida e não em “força-bruta”);
4) Apenas atuar de forma diferenciada (VRT) após conhecer bem a(s) causa(s) da variabilidade – fator limitante, que pode variar no tempo e no espaço;;
5) Não há receitas para a adoção, o roteiro de adoção deve ser criado caso-a-caso em função de objetivos e contextos;
6) O Objetivo da AP não deve ser homogeneizar a carta de produtividade, mas maximizar a carta de margem bruta;
7) Atuar sempre atendendo à racionalidade económica e ao risco;
8) Resolver primeiro problemas “básicos” das folhas e só depois aplicar AP (A AP permite afinar os sistemas culturais, havendo contudo, situações em que algumas ferramentas de diagnóstico permitem acelerar bastante o processo de otimização agrícola);
9) A muito curto prazo o produtor irá necessitar um sistema de gestão de dados espaciais baseado num SIG;
10) Não é uma panaceia, não substitui má gestão.
AP= 4X DADOS + 8X CONHECIMENTO (AGRONÓMICO INTEGRADO) + 2X TECNOLOGIA
¹ Serrano, J. e Peça J.O.. 1996. Agricultura de Precisão. Da Cartografia dos Rendimentos a um Novo Conceito de Gestão Agrícola. Ingenium, 2ª Série, Nº 11, Ago/Set 96: 66-70.
Professor
Instituto Superior de Agronomia
ricardobraga@isa.ulisboa.pt