Agricultura e Biodiversidade – António Campeã da Mota

Por iniciativa da Presidência Holandesa da UE, teve lugar no passado mês de Novembro, em Kasteel Groeneveld, a Conferência sobre “Mudanças na utilização da terra na Europa”.

Este evento, que reuniu os Directores Gerais do Desenvolvimento Rural dos Estados Membros, assumiu intencionalmente, pelo formato adoptado, o carácter de um encontro, no qual foi possível a discussão e troca de informação, entre os participantes convidados, sobre os assuntos considerados mais importantes para o Mundo Rural Europeu.

Um dos temas abordados, e que despertou muito interesse, refere-se ao progressivo abandono de terras agrícolas e às consequências nos ecossistemas de elevado interesse natural.

De facto, a recente adesão de dez países do antigo bloco de Leste trouxe para a agenda Europeia, em particular no âmbito da reforma da PAC, mais uma preocupação, mercê do acréscimo de 2,5 milhões de hectares de pastagem e terra agrícola actualmente abandonados.

A situação desperta de imediato diversas interrogações: Que fazer ? Valerá o esforço de recuperação ? Que medidas deverão ser tomadas para impedir o abandono ? Ou, porque não devolver essas terras à Natureza ?

Esta última pergunta, que tem traduzido a convicção de correntes progressistas em matéria ambiental, merece afinal bastante mais reflexão. É verdade que do abandono da actividade agrícola podem resultar alguns benefícios ambientais pela redução de utilização de fertilizantes e pesticidas, mas por outro lado muitas destas áreas têm elevado valor natural, seja pelo interesse botânico, seja por constituírem habitats de muitas aves migratórias ou mesmo residentes.

As pastagens semi-naturais desenvolveram-se ao longo de séculos com intervenção humana quer para produção de feno, quer para pastoreio directo e desta intervenção resultou o aumento das espécies presentes, sendo assumido que o abandono implicará inevitavelmente um retrocesso, já que se assistiria a uma uniformização do coberto vegetal com redução das espécies mais baixas incapazes de resistir à competitividade de espécies produtoras de maior biomassa. Como representativo do que se acaba de referir, atente-se no gráfico seguinte que apresenta o resultado de um caso de estudo no sul da Alemanha (C. Schwbishen Alp).

O gráfico traduz a imagem da variação de espécies botânicas em função das diferentes etapas de abandono e do processo de reabilitação de uma área de pastagem sujeita a pastoreio com gado ovino.

Fonte: Paschlod et al (1997)

No início foram identificadas 170 espécies. Durante o período de abandono (trinta anos), assistiu-se ao progressivo decréscimo do número de espécies:

  • Na primeira fase, considerada como o início do abandono: 145 espécies;
  • No chamado abandono tardio: 50 espécies;
  • No final, já com floresta desenvolvida apenas 10 espécies sobreviviam. A recuperação, com o corte de árvores e o restabelecimento da pastagem, permitiu em 10 anos o aumento para 120 espécies.

Este exemplo demonstra o impacto negativo do abandono sobre a biodiversidade, o que aliado às mais recentes estimativas sobre áreas de pastagem em risco de abandono justifica o empenho de muitos estados membros na concretização de uma PAC que, sem descurar o seu papel na produção alimentar, assegure cada vez mais a preservação da natureza, desempenhando um papel chave na vitalidade do mundo rural.

Esta tendência, que muitos querem aprofundada no post – 2006, implicará inevitavelmente um rigoroso cumprimento de práticas agrícolas mais amigas do ambiente, obrigando a uma maior ligação entre agricultura e natureza.

Nesse contexto, o agricultor deixará de ser encarado como um mero beneficiário de subsídios, mas antes como um guardião da natureza a quem a sociedade retribui pelo seu novo desempenho.

Fevereiro, 2005

(*) – Artigo publicado na Revista da APMA – Associação Portuguesa de Mecanização Agrária , n.º 1 – Maio 2005

António Campeã da Mota
Eng.º Agrónomo
Director de Serviços de Gestão de Projectos e Obras
Instituto de Desenvolvimento Rural e Hidráulica (IDRHa)


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