Agricultura intensiva, pecuária e esgotos domésticos degradam a água do Guadiana

A monitorização da água bruta destaca a presença de coliformes totais e estreptococos fecais, metais pesados, pesticidas e herbicidas (sobretudo glifosato), acima dos valores máximos admissíveis.

Os documentos oficiais de Portugal e Espanha não iludem o problema: a degradação da água do Guadiana continua a revelar-se um constrangimento ambiental de difícil controlo. O aviso chega de Espanha: a cerca de 50 quilómetros da albufeira do Alqueva a população da cidade extremenha de Almendralejo, há mais de uma década que denuncia a má qualidade da água que é captada na confluência do rio Machatel com o rio Guadiana, para consumo humano.

A situação tem suscitado frequentes protestos da Plataforma contra a Contaminação de Almendralejo (PCCA), organização criada para reivindicar uma outra fonte de abastecimento que não ponha em risco a saúde dos consumidores. Em resultado do levantamento que fizeram ao estado da água em 2014 destacaram a sua “má qualidade” e propuseram que a Confederação Hidrográfica do Guadiana (CHG) considerasse o afluente que corria no Guadiana no local de captação de “Tipo A2 (águas poluídas) e/ou Tipo A3 (águas muito poluídas).”

Esta advertência foi confirmada pelo Ministério da Transição Ecológica e do Desafio Demográfico (Miterd) após as monitorizações que foram realizadas durante a elaboração do Plano Hidrológico do Guadiana (PHG) do lado espanhol, para o 3º Ciclo referente ao período 2022-2027. Os planos hidrográficos são elaborados por ciclos de planeamento, sendo revistos e actualizados de seis em seis anos.

Na composição da água bruta recolhida em vários locais da rede hidrográfica, os valores registados excediam os parâmetros máximos num conjunto de substâncias poluentes. Com efeito, o maior volume de poluição microbiológica debitada pelas descargas de águas residuais domésticas produzidas por quase 1,5 milhões de residentes no território delimitado pela bacia do Guadiana com uma extensão de 55.220 quilómetros quadrados é, em grande parte, oriunda das regiões de Badajoz, Mérida, Zafra e Ciudad Real.

Por sua vez, a contaminação resultante de explorações agrícolas e pecuárias “tem origem nas regiões de Las Vegas Altas e Vegas Baixas no Alto Guadiana”, onde se localizam as maiores áreas de culturas regadas. O Anexo 4 – Usos e Exigências de Água – incluído no Plano Hidrológico da parte espanhola salienta que a extensão da área afecta ao regadio atingiu 630.423 hectares entre 2014 e 2018. O consumo médio de água utilizada na rega foi estimado em 2055 hectómetros cúbicos (hm3).

Águas tóxicas e com metais pesados

O volume das águas usadas na actividade humana, nas explorações agrícolas e pecuárias, entre 2014 e 2018, foi, em média, de 946 hectómetros cúbicos (hm3), volume, que, em grande parte, é debitado para a rede hidrográfica e depois concentrado no curso do rio Guadiana, pormenor que explica a proliferação de plantas exóticas, o jacinto-de-água e o nenúfar-mexicano. A primeira tem afectado a captação de água que abastece Almendralejo.

O levantamento efectuado para o PHG 2022-2027, “estima” que das 376 massas de água superficiais em território espanhol, 232 (61,7%) “estão em risco elevado de não atingir bom estado ecológico até 2027”. O documento destaca ainda a presença de metais pesados com valores “acima dos limites estabelecidos pela legislação” espanhola: arsénio, mercúrio, bário, cádmio, cromo, níquel, ferro, selênio, amônio total, cobre. E ainda fenóis, fosfato, azoto, nitrato, pesticidas, herbicidas, insecticidas, CBO e CBO5 (carência bioquímica de oxigénio), matéria em suspensão, etc.

O conflito entre a população de Almendralejo e a entidade gestora da bacia do Guadiana agudizou-se em Janeiro de 2017, quando a plataforma verificou que os resultados das análises realizadas aos coliformes totais e estreptococos fecais tinham deixado de ser publicados. Félix Lorenzo Donoso, presidente da PCCA, explicou ao PÚBLICO que os parâmetros microbiológicos apresentavam “valores alarmantes e que seria razoável continuar a analisá-los” e disponibilizá-los para consulta pública.

A informação disponibilizada pela CHG em 2015 (último ano em que os parâmetros de microbiológicos foram divulgados) apresentava “excedências” que rondavam as 50.000 bactérias coliformes […]

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