Agricultura Portuguesa aumenta as emissões anualmente desde 2015, representando mais de 12% do total nacional em 2020
Em plena COP27, Portugal apresenta indicadores de melhoria no seu desempenho climático relativo a outros países, ficando em 14.º lugar no Índice de Desempenho das Alterações Climáticas, e com o Primeiro-Ministro António Costa a reafirmar o compromisso de Portugal em cumprir, e até antecipar, a neutralidade climática.
No entanto, o setor agrícola nacional vê aumentado o seu peso relativo nas emissões nacionais, para mais de 12% do total em 2020, segundo o último Inventário Nacional de Emissões por Fontes e Remoção por Sumidouros e Poluentes Atmosféricos (INERPA)[i]. A meta de redução (face a 2005) da emissão de gases de efeito de estufa (GEE) para o setor para esse mesmo ano não foi cumprida e as emissões continuam em tendência crescente.
Apesar de terem sido disponibilizados apoios públicos com objetivos climáticos na última década, oriundos da Política Agrícola Comum (PAC), a despesa pública tem-se revelado ineficaz ou até contra-producente no que toca ao objetivo de orientar o sistema alimentar nacional para a neutralidade climática.
Agricultura Portuguesa em sentido contrário
Embora o Primeiro-Ministro António Costa tenha celebrado publicamente o desempenho de Portugal face às suas metas, com base no memorando sobre as emissões de GEE[ii] da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), na verdade o inventário das emissões ligadas à agricultura revelam não um só um incumprimento da meta de redução para 2020 – menos 8% face ao ano de referência de 2005, estabelecida pelo PNAC[iii] –, mas inclusivamente um aumento consistente que leva a que as emissões GEE já excedam o próprio ano de referência desde 2017.
As principais origens destes GEE são a fermentação entérica (51% dos GEE emitidos pela agricultura), ligada à intensificação pecuária, sobretudo na bovinicultura, e as emissões dos solos agrícolas (32%), que refletem os efeitos das práticas de gestão desses solos. Também a gestão de efluentes pecuários é uma fonte de emissões de óxido nitroso (N2O) e metano (CH4), contribuindo com cerca 14% das quase sete milhões de toneladas de CO2e libertadas pela agricultura nacional em 2020.
Assim, para cumprir a meta de redução de 11% estabelecida pelo PNEC para 2030 , será necessário cortar mais de 14% das emissões no espaço de uma década.
Uma política agrícola contraproducente
O setor pecuário é o principal contribuinte para as emissões de GEE na agricultura, com as emissões da fermentação entérica e da gestão de estrumes a apresentarem um crescimento constante desde 2014. Os efectivos pecuários (n.º de cabeças) de bovinos e suínos têm registado um aumento significativo nos últimos dez anos (11% e 17%, respetivamente), fruto da política de incentivos que tem levado à concentração da exploração pecuária.
A situação de Portugal reflete o fracasso a nível Europeu no controlo das emissões agrícolas. No relatório especial publicado a 30 de maio, o Tribunal de Contas Europeu (TCE) revela que 100 mil milhões de euros da Política Agrícola Comum (PAC) gastos em “ação climática” não tiveram resultados relevantes, com as medidas mais eficazes em termos de mitigação climática a não terem financiamento adequado, como a redução dos efetivos pecuários[i]. A pecuária é responsável por 70% das emissões da agricultura Europeia, mas contabilizando as emissões importadas (nomeadamente as ligadas à produção de rações fora da União) a fatia aumenta para os 82%. Segundo do TCE, o aumento do uso de fertilizantes minerais a nível Europeu também contribui para a falta de progresso do setor agrícola em termos de desempenho climático.
No delineamento do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) nacional, o Governo decidiu apostar na subsidiação dos sistemas de produção intensiva para implementação de medidas técnicas de mitigação, nomeadamente por via da alimentação animal e na gestão de estrumes. Apesar de haver um potencial de redução (ainda que muito variável), existe, segundo a carta de observações da Comissão Europeia ao PEPAC[ii], um risco de se tornar em mais um incentivo ao aumento dos efectivos pecuários.
Uma intervenção estrutural na transição para dietas mais saudáveis poderá ter um impacte significativamente maior (redução de GEE estimada entre 29-37%, face aos 5-21% das medidas de mitigação[iii]), com co-benefícios importantes para a sociedade em termos de saúde da população, permitindo inclusivamente poupanças no Sistema Nacional de Saúde, e por isso a ZERO entende que este deve ser o foco da política climática para agricultura.
Fonte: Zero