Faltavam 15 minutos para o final do jogo em que a seleção nacional de futebol deslizou para fora do Campeonato Europeu, quando toneladas de terra deslizaram 100 metros encosta abaixo na famosa aldeia de Sistelo, em Arcos de Valdevez. Ninguém ficou ferido, mas 30 pessoas foram evacuadas por precaução nessa noite (voltando a casa no dia seguinte) e os restantes habitantes da aldeia não ganharam para o susto causado por um barulho que “parecia um comboio”.
Na altura, achei estranho o que aconteceu: regra geral, estes desabamentos acontecem quando há enxurradas causadas por grandes chuvas, mas o tempo estava seco. No Jornal de Notícias de 30 de junho, falava-se de “acumulação de água” como causa possível. Noutro dia, outra notícia, creio que também do mesmo jornal, que vou citar de cor, esclarecia um pouco mais, falando de “águas perdidas” e terrenos abandonados”. Olhei para a foto do terreno que deslizou e reparei que fica mesmo abaixo do “tanque de lavar”, com água corrente, que fica atrás dos famosos espigueiros de Sistelo, muito bem recuperados e onde estive há poucos meses. Não sei se a água que causou o deslizamento de terras era dessa ou de outra nascente, mas é fácil de acreditar nessa causa provável: águas que eram usadas para regar os campos, em terrenos limpos e cultivados, só quando eram precisas, quando se acumularam num terreno por cultivar, num socalco atrás de uma parede de pedra solta, causaram um reservatório de lama que depois levou tudo à frente nos socalcos inferiores.
Já sabíamos que o abandono da agricultura à volta de aldeias secas aumenta o risco de incêndios. Sabemos agora que nas aldeias com muita água esse risco é menor, mas podem ocorrer desabamentos.
Visitei a aldeia de Sistelo, numa tarde primaveril ainda quase sem turistas. Estávamos curiosos para conhecer o “Tibete português” e confirmo que ao vivo a paisagem é impressionante como nas fotografias. Mas é uma paisagem humanizada, construída pelo homem. Aqueles socalcos que compõem uma paisagem que é agora monumento nacional foram usados centenas de anos numa agricultura de subsistência que tem vindo a decair, provavelmente ao mesmo ritmo que a população de Sistelo: segundo dados disponíveis na Wikipédia, em 100 anos, de 1911 até 2011, passaram de 840 para 270 habitantes. Em 2011, mais de metade dessa população já tinha mais de 65 anos.
Não vale a pena “culpar” a PAC ou o progresso. A gente que falta naquela e nas outras terras foi-se embora à procura de uma vida melhor e não devemos culpá-los por isso. Se não estivem melhor noutro lugar tinham voltado. Vista das cidades, para passar um fim de semana, aquela serra é muito bonita, mas viver lá todo o ano e em noites de tempestade, é duro.
Em 2011 o Sistelo era uma aldeia desconhecida. Talvez agora o turismo ajude a equilibrar as contas e fixar população. Ou podem viver em cidades de média dimensão com mais serviços e qualidade de vida, como talvez seja Arcos de Valdevez, a sede do concelho, e ir lá trabalhar durante o dia. Mas o turismo precisa de uma agricultura viva a cultivar os campos e a conservar os socalcos. E os jovens e adultos de agora já não se contentam com a agricultura de subsistência que lá se praticou e que, como o nome indica, só dá para sobreviver, não dá para viver com dignidade. A PAC, ainda bem, dá umas ajudas para a criação das raças autócnes, no caso vacas Barrosãs e Cachenas, mas não basta, é preciso que a carne desses animais e os produtos agrícolas sejam valorizados. Fica o meu alerta para pensarmos nisto e o desafio para que vão percorrer a “ecovia do rio Vez” e descobrir os encantos de Sistelo e dos outros “Sistelos” que temos no nosso país. #carlosnevesagricultor
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.