“Aviões”, filme de animação da Disney, sucessor de “carros”, estreou nos cinemas a 15 de Agosto. O filme narra a história de Dusty (nome que traduzido significa sujo, poeirento) , um avião pulverizador de campos de milho americanos. Sem entrar em detalhes do filme e muito menos contar o final, quero apenas revelar um fio condutor que acompanha toda a história: Além de ter sido construído para pulverizar e não para competir e de ter medo das alturas (os pulverizadores voam baixinho…), “Dusty” tem de aguentar as “bocas” do principal adversário: “agricultor”, “campónio”, “cheiras a estrume de vaca”, etc. Pois. Lá como cá!…
Este filme americano lembra uma cena portuguesa: alguns meses atrás, numa cerimónia de captação de investidores para a região do Alqueva, o presidente da associação local de agricultores apontou como dificuldade na região a falta de mão-de-obra para a agricultura. Falta de mão-de-obra num país com 20% de desempregados é sempre motivo de espanto e admiração. O presidente do BES, Ricardo Espírito Santo, comentou que os portugueses preferem receber o subsídio de desemprego em vez de trabalhar. Levantou-se então a polémica habitual com as intervenções “oportunas” dos banqueiros e esqueceu-se a agricultura. Interveio bem a Ministra Assunção Cristas ao falar da necessidade de valorizar socialmente a agricultura para que as pessoas aceitem entrar na actividade.
Não se trata aqui do “jovem agricultor” que pode compensar o rótulo negativo de “agricultor” com outros adjectivos de carga positiva como “empresário” ou “empreendedor”. Trata-se de ultrapassar o preconceito de colocar o/a “trabalhador agrícola” na parte mais baixa da pirâmide social. O trabalho agrícola, por si, já encerra um conjunto de dificuldades naturais: trabalho ao ar livre (sol, calor, pó, frio), sujidade, cheiros, esforço necessário, etc. Não precisa de ser rebaixado pela crítica social que ignora a necessidade básica que é a produção de alimentos e a responsabilidade que isso acarreta, por exemplo, em termos de segurança alimentar. Que ignora os conhecimentos necessários para tarefas complexas como conduzir um tractor, operar máquinas com precisão (cada vez com mais equipamentos electrónicos), aplicar produtos fitofarmacêuticos, alimentar, cuidar e ordenhar animais. Ainda podemos encontrar algumas tarefas (limpezas, colheitas de frutos) que exigem pouca formação, mas o tempo do trabalho agrícola desqualificado já passou.
Os horários exigidos pela ordenha das vacas ou as madrugadas para colher hortícolas são outra sombra que afasta os candidatos do trabalho agrícola. Mas, atenção, horários “das 9 às 5” são cada vez mais raros nas actividades alternativas. Todos conhecemos cada vez mais gente a trabalhar por turnos, ao fim de semana e de noite. Empresas que exigem disponibilidade total. Faz sentido fugir da agricultura para receber o salário mínimo numa fábrica de confecções ou na caixa do hipermercado? Apesar das dificuldades que o trabalho agrícola ainda encerra, creio que em termos de “qualidade de vida” evoluiu em sentido inverso de outros sectores. Temos hoje à disposição ordenhas rápidas ou robots de ordenha, tractores com ar condicionado, automotrizes para vindimar, ensilar ou debulhar milho, tudo muito diferente do tempo em que uma multidão de trabalhadores agrícolas era necessária para fazer manualmente o que agora faz uma máquina.
A valorização do trabalho agrícola, por último, não pode ser apenas social, tem de ser económica. Para um trabalhador ser respeitado tem de ser bem pago, e deve sê-lo se for competente, mas para isso é preciso que os produtos agrícolas sejam valorizados. Para que o trabalhador agrícola possa receber um valor justo pelo seu trabalho é preciso que os produtos agrícolas sejam pagos a preço justo, e, já agora, que os consumidores prefiram produtos nacionais, para que o valor da sua compra possa chegar ao bolso dos “nossos” trabalhadores.
Carlos Neves