Agroglobal é o nome de uma feira agrícola que decorreu entre 10 e 12 de Setembro no Cartaxo, em Valada do Ribatejo. Começou por ser a “Feira do milho” e passou a “Agroglobal” para abordar muitas outras grandes culturas. É uma excelente feira, que tive o gosto de visitar apesar da chuva que enlameou um relvado magnífico e impediu as demonstrações de maquinaria agrícola dos primeiros dias. Mas chamo-a aqui sobretudo para lhe pedir emprestado o nome para este artigo, porque o “mundo agro” é cada vez mais global, com os preços agrícolas a depender dos leilões na internetde produtos lácteos da Fonterra na Nova Zelândia ou da Bolsa dos contratos futuros de cereais em Chicago.
Um mundo “agroglobal” em que a crise na Ucrânia provocou um embargo russo aos produtos agrícolas europeus, em resposta às sanções da União Europeia à Rússia. Acontece que em 2013, entre as exportações europeias de produtos lácteos, a Rússia representava 33% do queijo e 32% da manteiga; De Portugal havia também alguma exportação e perspetivas positivas para o futuro, embora os valores não sejam significativos. O perigo poderá vir indiretamente, como um dominó, se países tradicionalmente exportadores como Polónia, Alemanha ou Holanda, em desespero, decidirem despejar a qualquer preço algum leite sobrante do seu mercado para o mercado Ibérico. É certo que a União Europeia já concedeu alguns apoios para frutas, hortícolas e também para armazenagem de produtos lácteos, mas vozes avisadas disseram que os valores estão desatualizados e são insuficientes. Sendo um perigo, a baixa do preço ao produtor não é uma fatalidade, por vários motivos: porque já estamos muito abaixo da média comunitária, porque a nossa indústria pode e deve procurar outras oportunidades de exportação e porque o consumidor português prefere nacional, se formos capazes de comunicar bem a nossa mensagem.
Neste contexto de instabilidade “agro-global”temos de privilegiar os “circuitos curtos” do “mercado local”. Por isso foi importante a realização de mais uma feira “Portugal Rural”, a feira de atividades agrícolas de Vila do Conde. Mantendo as atividades que atraem e encantam pequenos e graúdos (exposição de animais, mostra de ordenha, exibições de cães, equitação, prova de BTT, etc), os stands das empresas agrícolas e associadas, teve como tema principal “O leite como produto agrícola e como alimento com variadas utilizações”, sendo sintomático o caso da fábrica de chocolates imperial, também presente, que consome por ano 2,5 milhões de litros de leite para o fabrico do seu “chocolate de leite”). Presente também com um excelente stand esteve pela primeira vez a Lactogal, a promover o leite e produtos lácteos de forma pedagógica e com brindes para as crianças. Leite que os visitantes podiam depois comprar na “leitaria” da cooperativa, bem como outros produtos agrícolas no “mercado rural”. A cereja em cima do bolo foi o stand temático, cuidadosamente preparado para mostrar a história do leite no concelho, a evolução da alimentação dos animais, da ordenha, da recolha e transformação e a “queijaria”, onde todos os dias foi possível ver o fabrico artesanal e provar o queijo fresco. Enfim, foi mais edição para comunicar o trabalho agrícola e cativar os consumidores para o consumo do nosso leite e de outros produtos agrícolas locais.
Foi também importante o sucesso da “Agro-semana” realizada alguns dias antes no Espaço AGROS, em Argivai, Fronteira da Póvoa de Varzim com Vila do Conde. Importante pela apresentação de equipamentos e fatores de produção para os agricultores e produtores de leite, pela apresentação dos produtos locais da região nos stands cooperativos, pelo concurso regional da raça frísia, mas sobretudo por todo o conjunto de atividades que em clima de festa uniram os produtores em torno de um organização que estava distante e abriram um espaço que custou muito caro ao setor mas, já que está feito, deve ser utilizado por quem produziu e produz o “leite” que pagou a obra. Neste momento presente de geopolítica instável ou num futuro próximo sem quotas leiteiras, face ao perigo de oportunistas importarem leite para a indústria ou distribuição, é importante que os agricultores participem na gestão e usufruam dos seus espaços para que a União faça a força na defesa da sua atividade, do seu produto e de um rendimento digno através de um preço justo pago pelo leite produzido.
Carlos Neves
Não vale a pena chorar sobre quotas derramadas – Carlos Neves