Os números volumosos que envolvem milhões, biliões ou triliões tendem a iludir-nos e a toldar-nos o raciocínio.
A Comissão Europeia revelou, na última semana, a última proposta de envelope financeiro para 2021-2027: conterá 1,85 biliões de euros, dos quais 1,1 biliões oriundos do orçamento comunitário e os restantes 750 mil milhões de um Fundo de Recuperação que o Conselho Europeu concordou criar com dívida europeia comum, para salvar a Europa e os setores e áreas geográficas mais fustigadas pela hecatombe económica gerada pela pandemia da Covid-19.
As estimativas dos serviços técnicos da Comissão atribuem a Portugal 15,53 mil milhões de euros até 2027em subvenções (a fundo perdido) e 10,84 mil milhões sob a forma de empréstimos.
Não esqueçamos: é, ainda, uma proposta. Carece de unanimidade dos 27 países da UE e está longe de estar fechada nos atuais moldes e valores, ou não fossem conhecidas as sérias reticências à solidariedade europeia dos Países Baixos, Áustria, Dinamarca e Suécia, o chamado grupo dos frugais.
Uma má notícia parece, porém, certa no futuro orçamento: as micro, pequenas e médias empresas (MPME) de transformação de pescado vão ficar excluídas dos apoios a fundo perdido no próximo QCA.
Ainda que o Ministro do Mar – visivelmente incomodado – venha dizer que estas MPME, até aqui apoiadas a fundo perdido, podem vir a aceder a empréstimos, com bonificações de juros e garantias do Estado ou através de capital de risco, não é a mesma coisa. Todos sabemos: um apoio a fundo perdido não tem de ser devolvido e um empréstimo, mesmo em condições vantajosas, tem de ser integralmente reembolsado e com juros.
No conjunto do agroalimentar, a transformação de pescado, conservas de peixe sobretudo, não é de somenos. Mostrou, aliás, a sua relevância económica durante esta pandemia. “Multiplicámos os pedidos aos fornecedores, criámos planos de contingência e prevenção em todas as linhas de produção e privilegiámos o abastecimento dos mercados nacionais face aos internacionais”, disse à “Vida Económica” em abril José Maria Freitas, Presidente da ANICP – Associação Nacional dos Industriais de Conservas de Peixe.
São hoje 15 unidades industriais (já foram cerca de 400 no início do século passado), empregam mais de 3500 pessoas e faturam mais de 300 milhões. As exportações valem 226 milhões (2019) e o atum, cavala e sardinha são os seus maiores volumes.
Excluir das subvenções estas empresas portuguesas, sabendo que as importações do setor já valem 207 milhões e estão a crescer, é enfraquecer a indústria nacional, retirar-lhe vantagem competitiva e abrir a porta ao desequilíbrio da balança comercial.