Manuel Cardoso

Água

A grande diferença das produções agrícolas e da sobrevivência agro-pecuária dos rebanhos, manadas e varas, neste ano de 2022, não se fica a dever à seca, mas à existência de água.

Seja no Douro, no Minho, em Trás-os-Montes, na Beira-Interior, ou onde for, da disponibilidade de água resulta o sucesso das culturas e das produções. Esta é a grande lição a tirar pela agricultura e agro-pecuária em Portugal, de que muitos desde sempre têm consciência e que não se têm poupado a propalar.

Foi um ano agrícola seco, pois foi, mas quem dispôs de água pôde manter produções e, até, aumentá-las, tirando partido do efeito da temperatura e humidade que, consoante as culturas, permitiram atingir óptimos, gerindo uma menor aplicação de agroquímicos e administrando-a nos momentos mais adequados para cada cultura. A vinha que dispôs de água teve produções por hectare acima da média; o olival regado tem azeitona abundante (nalguns casos, mais que o normal); os castanheiros, com rega, têm castanhas de calibres invejáveis por todos os outros com raras, chôchas e bichadas. Poderíamos, cultura por cultura, dar mais exemplos vistos nos campos e de agricultores com quem temos conversado.

Apesar da disponibilidade de água nos seus terrenos de cultivo e pomares, há efeitos negativos da seca. Sim. E sem água fornecida in extremis muitas árvores teriam, literalmente, secado em pé, neste Verão. Mas o foco deste artigo não é o dos efeitos da seca: é o de chamar mais uma vez à atenção dos benefícios e da necessidade de água para que haja alimentos. Fazendo um apelo à atitude.

Aqueles que dispõem de água têm um benefício em mãos que os coloca perante a obrigação do seu uso racional e sustentável, sem desperdício, e transformação em alimentos de forma eficiente, gerando riqueza.

A água é um recurso renovável, mas irregular no seu ciclo, e as formas de intervir na sua ocorrência e administração, com captações, albufeiras, charcas e depósitos, redes de rega e de subministro, permitem, hoje em dia, ampliar, de forma inimaginável há uns anos, a capacidade de suprir necessidades das plantas e dos animais, sendo transformada em alimentos, e a do seu uso físico em operações de lavagem, de veículo de nutrientes e outras.

A irregularidade do ciclo da água, no tempo e no espaço, é patente no nosso território peninsular. Sobretudo no último século, são notáveis os esforços para acorrer à sua remediação e ao seu aproveitamento. De norte a sul há albufeiras, de fins e usos múltiplos, hidroeléctricas, de uso agrícola (outras… de uso nenhum ou quase)! Precisa-se de mais, interligadas sempre que possível. É urgente a aprovação e execução dos projectos do Tejo, dos canais de transvase, de novas barragens nos vales e planaltos de Trás-os-Montes e da Beira. Tal como é urgente o investimento na reparação de condutas e redes por onde se perde um caudal apreciável.

É uma obrigação deixarmos às gerações vindouras a realização de tudo o que concorra para obviar à irregularidade do ciclo da água no nosso território. Nunca será eficaz nem duradoura qualquer política de promoção de povoamento nem de travagem da desertificação geográfica no nosso País se não passar pela disponibilização regular de água. E temos exemplos felizes de que ambas as coisas são possíveis se associadas com água.

A informação e cultura sobre a água deve ser extensiva a todos nós e a explicação e discussão dos seus argumentos deve ser constante e cientificamente baseada. Só assim não será instrumentalizada politicamente por opiniões anticientíficas ao sabor de modas assentes em preconceitos. É algo estranho que a maioria da população apenas tenha informação e conhecimento de argumentos sobre a água quando esta falta nas torneiras ou nas barragens, quando se rebenta uma conduta, quando chove a mais e se inundam ruas, quando se polui um rio ou nos é dito que os espanhóis no-la cortam… se repararmos, quase sempre água pela negativa, quase sempre água turva nos argumentos enviesados, quase sempre pequenas partes de água, de toda a água que chove, se infiltra, escorre e flui no nosso País.

Para que haja decisões sobre a água, decisões sociais, políticas e de gestão de recursos, é necessária mais informação e de qualidade. Nomeadamente sobre os custos e desperdícios da água, desde os que ocorrem nas redes urbanas e rurais aos que dependem de comportamentos e da ignorância. Buscar bodes expiatórios (os agricultores, os campos de golfe, a lavagem das ruas, os espanhóis…) para as nossas insuficiências e escassez é o mesmo que dizer aos meninos pequeninos que têm que comer a sopa senão virá o papão!

Impõe-se haver uma atitude do País perante a água. Mais informação e divulgação de conhecimento. Para que haja compreensão dos seus custos, das necessidades prementes dos investimentos na sua gestão, de alteração de comportamentos nos seus usos sempre que tal se impuser. Para que todos paguem um preço justo pelo seu valor – e de bom grado.

Há-de haver sempre piores e melhores anos agrícolas: a depender da água que pudermos gerir.

Manuel Cardoso

Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021.

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