Uma agricultura moderna e competitiva tem necessariamente de envolver dois factores de produção: água e energia. Sobre a água muito se tem escrito e debatido, tendo sido claramente uma preocupação dos empresários agrícolas, dos técnicos, das suas organizações e de vez em quando dos governantes (sobretudo quando há seca).
A seca de 2012, para além dos malefícios conhecidos, teve o mérito de mais uma vez se falar em água e da necessidade de eficiência e racionalidade no uso do recurso, tendo mesmo ressuscitado a discussão sobre o programa nacional para o uso eficiente da água, neste caso com uma proposta para a sua implementação para o período 2012/2020. Este documento foi objecto de discussão pública em Julho de 2012. Felizmente o ciclo meteorológico modificou-se, resolvendo o problema da escassez, deixando para segundo plano a questão da eficiência e bom uso.
Nos últimos anos, quer o Estado, quer os empresários agrícolas têm investido em modernos sistemas de adução de água, os quais permitem um maior controlo e gestão efectiva do recurso água. São o caso dos modernos blocos de rega de Alqueva, onde a água é fornecida filtrada, em pressão, de acordo com a exigência produtiva das explorações agrícolas. Esta maior qualidade e fiabilidade do serviço prestado tem como input essencial o gasto de energia eléctrica. O mesmo se passa ao nível das explorações agrícolas, nos modernos sistemas de gota a gota ou nos center pivot.
A escassez de água, a evolução dos custos energéticos e a actual realidade agrícola, com uma maior exigência de racionalização de custos, levam a uma nova necessidade de reflexão, da qual são indissociáveis a necessidade inequívoca de poupar, em simultâneo, água e energia.
A FENAREG levou recentemente a efeito as jornadas técnicas subordinadas a este tema Eficiência Energética em Regadio(1), realizadas no âmbito do Projecto Inovação e desenvolvimento do Regadio, co-financiado pelo Programa da Rede Rural Nacional – MAMAOT – FEADER. Impulsionados pelo lançamento do livro: Guia de rega – Eficiência e Poupança Energética em Regadio (2), este fórum foi uma oportunidade de debate de ideias, da transmissão de experiências e análise de soluções de ganhos de eficiência. Note-se que os aproveitamentos hidroagrícolas (sem Alqueva) têm, no seu conjunto, uma potência instalada total de 73.000 kW, na maioria, com contratos de fornecimento em Média Tensão. A factura energética representa, para as Associações de Regantes que gerem estas obras de rega, por ano, mais de 1,8 milhões de euros. Em alguns casos o custo da energia chega a representar 70% do preço da água para rega.
Auditar todas as instalações eléctricas das obras de rega colectivas, geridas pelos associados da FENAREG, é uma necessidade. Só medindo, avaliando e elaborando projectos de requalificação e modernização destas estruturas será possível poupar no recurso energia. Atendendo a que a energia é indissociável da utilização da água nesta actividade, a FENAREG depositou na experiência e capacidade do COTR – Centro Operativo e Tecnológico do Regadio, a realização destas auditorias que vão acontecer durante 2013 e 2014.
Portugal necessita de melhorar a eficiência (3) da gestão e utilização da água e da energia, propondo-se a FENAREG continuar a trabalhar, em conjunto com os seus Associados para esse objectivo. Reduzem-se custos, poupam-se recursos, todos ganhamos.
Para além de medidas pontuais de apoios aos encargos com a energia, como a electricidade verde, poderiam e deveriam ser implementadas outras formas de redução da factura energética. Numa altura em que se sente que o “mercado liberalizado de energia” não está de facto a funcionar, com sucessivos aumentos dos preços, tem sido a responsabilidade da FENAREG fazer chegar ao Ministério da Agricultura as preocupações do custo energético do uso da água na agricultura e identificar medidas que contribuam para o aumento da competitividade do sector do regadio, sector de aposta do Governo.
Das várias medidas que a FENAREG fez chegar ao Ministério destacamos a principal que atenderia ao carácter sazonal do sector do regadio: a possibilidade de realizar dois contratos por ano ou dois períodos de potência contratada por ano. A necessidade de regar acontece, geralmente, de Abril a Setembro, sendo que nos restantes meses as instalações (estações elevatórias, sistemas de rega…) estão paradas ou com uma utilização mínima. Faz sentido pagar, ao longo de todo o ano, taxas de potência elevadas necessárias apenas para os períodos de ponta? Porque não será possível efectuar dois contratos de potência num ano: um para o período de efectiva actividade e outro para o período de não actividade ou de actividade reduzida? Este é um problema comum às obras colectivas de rega, às explorações agrícolas e à indústria agro-alimentar (lagares, fábricas de tomate…), com claro prejuízo da nossa competitividade. Por muito esforço de boa gestão da energia e racionalização deste recurso, o sector agrícola sente que lhe está a ser cobrado um imposto fixo mensal, independentemente da sua actividade produtiva. Para o sector, mais importante do que uma energia subsidiada, é uma energia com menos impostos, ao nível de custos idênticos dos países que colocam cá os seus produtos a preços mais concorrenciais. Esta é uma medida que depende apenas de decisão politica.
Outra medida está relacionada com a produção hidroeléctrica: um sector que trabalha com água, como são os aproveitamentos hidroagrícolas, gerindo barragens e canais, distribuindo milhões de m3 de água anualmente, deveria também ser um grande produtor de energia. De facto é. O conjunto de obras de hidráulica agrícola em Portugal, incluindo Alqueva, foi construído assentando os seus projectos (e financiamento) na premissa de que toda a energia produzida é atribuída aos beneficiários das obras hidroagrícolas. Só não beneficiam dessa produção porque o Estado ou arrecada a maior parte dessa fonte de rendimento ou aliena as estruturas (caso do Alqueva) a entidades particulares. Na prática, actualmente, a nível nacional, a produção hidroeléctrica destas obras de hidráulica agrícola, apesar de excedentária, apenas suporta 20% dos encargos dos consumos energéticos, revertendo para o Estado ou para privados o restante das receitas da produção. Também a medida de fazer reverter, na totalidade, o beneficio da produção de energia destas obras para os seus beneficiários, depende só da decisão politica.