O presente artigo surge por ocasião do Symposium Internacional intitulado “Alcoolémia na Segurança Rodoviária”, que ocorreu segunda-feira, na Universidade Católica do Porto organizado pela Lasvin. Estiveram presentes as mais variadas autoridades nacionais, de áreas como a Medicina, Psiquiatria, Prevenção Rodoviária, Obras Públicas, Automóvel Clube de Portugal, Sector Vinícola, etc.
Em Portugal, os acidentes rodoviários estão entre as 10 principais causas de morte e são mesmo o principal motivo de morte nos jovens até aos 25 anos. Este é portanto, um problema gravíssimo da nossa sociedade, que merece todo um estudo científico e debate, tendo em vista a definição de acções para a sua minimização. Neste symposium, debateram-se as taxas de alcoolémia dos condutores como causas e os acidentes como possíveis efeitos.
Portugal foi o último país europeu a estabelecer uma taxa limite de alcoolémia para os condutores (0,8 g/l de sangue em 1983), tendo sido o primeiro a adoptar a TAS de 0,5g/l em 1994. Agora surge a polémica decisão, ou poderíamos antes dizer “indecisão”, relativa à descida da taxa de alcoolémia para 0,2 g/l. Todas estas dúvidas se levantam devido a um confrontar de opiniões, em que os defensores do “0,2” não têm nenhum fundamento científico. Afirmação esta, que é apoiada por um estudo canadiano realizado pela Traffic Injury Foundation que diz que: “…não há qualquer prova de que a baixa da TAS tenha qualquer impacto ao nível da segurança pública” e que concluía que a taxa não deveria ser baixada.
O meio urbano é aquele onde se registam o maior número de acidentes (60% dos casos). Uma conferencista da Ordem dos Engenheiros apresentou o caso da cidade do Porto, onde 98% dos condutores envolvidos em acidentes não tinham ingerido álcool e apenas 0,81% tinham uma TAS entre 0,2 e 0,5g/l. Pena é, não existirem estudos finos sobre as causas dos acidentes, que possam indicar quais os acidentes, se é que os houve, que foram culpa da tal TAS compreendida entre 0,2 a 0,5g/l.
Os conferencistas que se mostraram a favor do 0,2 (2 em 19 conferencistas), demonstraram uma abordagem fundamentalista, em que pareciam confundir o consumo de um copo de vinho à refeição, com casos de alcoolismo crónico com que estão habituados a lidar nas suas profissões.
Foram também focadas outras causas dos acidentes que marcam o nosso país todos os dias, tais como: as falhas de sinalização e do traçado das estradas, a má interpretação do sistema pelo condutor e sobretudo a falta de educação cívica dos condutores. Focou-se muito a necessidade de educação com o objectivo de criar uma cultura de responsabilização dos condutores e uma censura social ao mau comportamento dos condutores. Sim, porque em Portugal ainda há muitas pessoas que se “gabam” de feitos como “…fiz Évora – Lisboa em 45 minutos!”. O Reino Unido é um óptimo exemplo, na medida em que mantendo a sua taxa de alcoolémia, melhoraram a sua sinalização, as suas estradas e implementaram um forte programa de educação e consciencialização da população, tendo conseguido uma diminuição do número de acidentes da ordem de 26,8%.
Existe ainda outra faceta educativa que é a divulgação da cultura do vinho que ensina a apreciar o vinho que se bebe, a sentir e identificar os diferentes aromas e sabores existentes em cada vinho. Esta cultura leva a um consumo moderado e de qualidade em detrimento da quantidade. O vinho pode ser visto como um alimento, que faz parte da alimentação mediterrânica. As qualidades salutares do vinho têm vindo a ser muito estudadas e está provado que o seu consumo moderado evita o cancro, doenças cardiovasculares e portanto, aumenta a esperança de vida.
Claro que é muito mais fácil “culpar” o consumo moderado de bebidas alcoólicas e sancioná-lo, do que educar um povo e melhorar estradas e sinalização. Mas, será que descer a taxa de alcoolémia vai ter algum efeito positivo? O representante do Automóvel Clube de Portugal afirmou que “…se a lei não for justa, a reacção da sociedade é tal que aquela não será cumprida. A afirmação da lei portuguesa (agora suspensa), que considera que uma TAS de 0,2g/l corresponde a uma condução sob o efeito do álcool não é justa. As pessoas não sentem que isso seja verdade e ainda ninguém provou a veracidade da afirmação.” O mesmo conferencista relembrou a questão dos seguros, já que com uma lei que limitasse a TAS aos 0,2g/l, um condutor que tivesse bebido um copo de vinho ao almoço e a seguir tivesse um acidente em que não fosse moralmente culpado, seria legalmente responsabilizado pelo acidente e teria de acarretar com todos os custos que daí adviessem.
Como conclusão, o Professor Daniel Serrão deixou-nos cinco questões para reflexão, no sentido de que a sua resposta nos poderá conduzir a uma melhoria real da segurança rodoviária. São elas:
Como criar uma cultura de responsabilização dos condutores, e um fenómeno de censura social do mau comportamento dos condutores?
Como e que infra-estruturas se devem melhorar?
Que medidas deverão ser tomadas para melhorar a segurança rodoviária?
Como integrar a taxa de alcoolémia no sangue e a origem dos produtos consumidos na estratégia nacional de segurança rodoviária?
Como deve ser constituído e criado um grupo de estudo, que aprofunde as causas reais dos acidentes no nosso país e que daí possa partir para uma solução para a melhoria do problema?
Tiago Caravana
Responsável de Marketing da CVRA – Comissão Vitivinícola Regional Alentejana
(*) Artigo publicado a 21-12-2001 no Diário do Sul