Numa tentativa de responder às necessidades alimentares de uma população em permanente crescimento, assim como contornar as consequências cada vez mais evidentes das alterações climáticas, como mudanças drásticas de temperatura, secas e outras, o governo chinês tem levado sementes de diferentes plantas em viagens à volta da lua. A ausência de gravidade e a exposição a radiação cósmica altera o ADN das plantas, tornando-as mais resistentes
Há muito tempo que o ser humano procura no espaço sideral soluções para problemas que afetam a Terra e foi exatamente aí, além da atmosfera terrestre, que uma nova geração de plantas capaz de resistir melhor, não apenas a condições meteorológicas extremas, mas também a certas doenças, foi desenvolvida. A técnica remete ao século XX, mas foi, entretanto, aperfeiçoada e é hoje uma das principais armas secretas da China contra a escassez de alimento que se vive no país.
Ao passar pelos vários hectares de campo cultivado na China seria impossível saber que as plantas que aí crescem já estiveram, outrora, numa viagem à volta da Lua, a cerca de 340 quilómetros do planeta Terra, onde agora se encontram. Existe, no entanto, uma diferença crucial entre as plantas criadas a partir de sementes colocadas em órbita e aquelas que seguiram o normal processo de crescimento. Depois de uma viagem pelo espaço sideral, muitas das sementes dão origem a plantas ora mais resistentes e capazes de suportar condições extremas ora capazes de produzir mais alimento ou, até, mais rápidas no processo de crescimento e a exigirem menos água.
Ao expor diferentes sementes às condições do espaço, um ambiente de baixa gravidade, afastado do escudo magnético protetor do planeta Terra e sujeito a radiação cósmica, os cientistas registaram alterações no ADN das plantas. Este processo de mutação das sementes, conhecido como mutagénese espacial, permitiu que as plantas desenvolvessem qualidades extraordinárias que se provaram vantajosas para as colheitas terrestres por permitirem, nomeadamente, contornar dificuldades meteorológicas e poupar recursos como água.
Antes de serem consideradas apropriadas para plantar, assim como para posterior consumo, as sementes que regressam do espaço são alvo de uma triagem cuidadosa e sujeitas a um processo de reprodução adicional que permite criar as versões finais que serão daí encaminhadas para os campos de cultivo.
Nem todas as sementes levadas em viagens pelo espaço registaram, no entanto, mutações benéficas, sendo que algumas deixaram, inclusive, de ser capazes de crescer ao chegarem a solo terrestre. Ainda assim, e desde que, há mais de três décadas, foi feito o primeiro esforço de reprodução espacial de sementes por parte da China, cerca de mil novas espécies de plantas foram criadas, entre elas 200 apresentaram um desempenho excecional, merecendo, inclusive, o título de super-plantas.
Perante uma realidade cada vez mais delineada pelas alterações climáticas, na qual a agricultura enfrenta uma pressão crescente e um número cada vez maior de pessoas no mundo tem acentuado a escassez de alimento, a reprodução espacial ganhou uma nova dimensão. Seja porque as sementes espaciais deram origem a plantas que exigem menos recursos ou porque as plantas são mais resistentes às secas que têm atingido o país, as mutagéneses espaciais podem ser o segredo para uma maior estabilidade no setor agrícola e uma forma de contornar algumas importantes problemáticas vividas no país.
Entre os vários casos de sucesso da mutagénese espacial está um conjunto de culturas comuns como o arroz, nomeado pelos órgãos de comunicação chineses “arroz do paraíso”, milho, soja, algodão, melancia, tomate, trigo, entre outros. Este último é, inclusive, a segunda variedade de trigo mais cultivada na China.
Conhecido como Luyuan 502, este tipo de trigo espacial provou ter um rendimento 11% superior à sua variedade tradicional, mostrando-se também mais tolerante à seca e a doenças, como explica Luxiang Liu, diretor do Centro Nacional de Mutagénese Espacial para a Melhoria de Cultivos do Instituto de Ciências Agrícolas da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas, em Pequim, em resposta ao boletim de notícias da Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA, na sigla inglesa), que tem, numa cooperação com a Organização para a Alimentação e Cultura da ONU (FAO, na sigla inglesa), ajudado alguns países como a China a desenvolverem os seus programas de mutagénese.
“A mutagénese espacial produz belas mutações”, conta Liu. O Luyuan 502, […]