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Angola e Moçambique envolvidos em projeto de gestão do fogo que reduz emissões

Moçambique e Angola estão envolvidos num programa australiano de gestão do fogo na savana que permite reduzir em mais de um terço as emissões de gases poluentes e simultaneamente apoiar as populações indígenas, disseram à Lusa investigadores envolvidos.

O projeto, intitulado Iniciativa Internacional de Gestão do Fogo na Savana (ISFMI, na sigla em inglês), visa recuperar as técnicas ancestrais dos povos indígenas australianos para a gestão do fogo, que segundo a organização tem “benefícios comprovados para as comunidades, o clima e a biodiversidade”.

Nos últimos 20 anos, aborígenes australianos, cientistas e o Governo australiano desenvolveram na savana do norte da Austrália uma metodologia que consiste em antecipar as queimadas na época seca e que, segundo um estudo científico publicado na página eletrónica do ISFMI, permitiu reduzir as emissões de metano e óxido nitroso em 30 a 50%, além de contribuir para a conservação da biodiversidade.

Até hoje, diz o mesmo estudo, o projeto permitiu reduzir os incêndios em 50%, gerando mais de 90 milhões de dólares (56 milhões de euros) em fundos de mitigação das alterações climáticas.

Agora, a organização, integrada no sistema de apoio ao desenvolvimento do Governo australiano, quer testar a aplicabilidade do método em outras regiões do mundo com características semelhantes, nomeadamente na África Austral.

O ISFMI prepara um projeto multinacional de dois anos em Moçambique, Botsuana e Zâmbia, que está na fase final de aprovação, disse à Lusa, em entrevista por email, a gestora sénior do programa na Austrália, Catherine Monagle.

A este projeto inicial, que será financiado pelo Fundo Verde para o Clima, iniciativa global para a mitigação e adaptação ao aquecimento global, deverá seguir-se um projeto completo, de cinco a dez anos, para passar da fase mais científica para a fase de aplicação na comunidade, explicou a mesma fonte.

Em Angola, o projeto está numa fase um pouco mais precoce, mas há trabalho em curso, explicou Catherine Monagle.

Em entrevista à Lusa, o investigador José Miguel Pereira, da Universidade de Lisboa, contou que o Instituto Superior de Agronomia (ISA) está envolvido com o ISFMI, o Governo de Angola e a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO) para aplicar o programa australiano em Angola.

“Temos estado a fazer coisas como tentar perceber onde é que poderão ser os sítios mais adequados para fazer as primeiras experiências (…) ou tentar identificar quem é que poderão ser os parceiros”, disse o cientista.

Segundo José Miguel Pereira, a estratégia australiana passa sobretudo por fazer as queimadas mais cedo na época seca.

O que se passava na Austrália – e que não difere muito do que se passa na África Austral – é que a maior parte da área queimada estava a ocorrer na segunda metade da época seca, que tem entre quatro e seis meses.

“Nessa altura já passaram por cima daquela vegetação muitos meses de tempo seco e ela está extremamente seca e portanto quando arde, arde muito completamente”, pelo que a grande maioria da vegetação que foi consumida transforma-se em emissões de gases.

Se se queimarem mil hectares na primeira metade da época seca, emitem-se 10, 15 ou 20% menos gases do que se se queimar a mesma área uns meses depois, exemplificou.

A estratégia dos australianos “é tentar puxar uma proporção maior da queima para mais cedo na época da seca, porque mais cedo o solo ainda tem alguma humidade e a vegetação ainda tem alguma verdura”, explicou o cientista português.

Dessa forma, as populações conseguem queimar as áreas que precisam de queimar para as suas atividades, mas sem consumir tão completamente a vegetação.

Depois disso, “mesmo que haja queimadas descontroladas mais para o fim da época seca, essas nunca têm margem para se descontrolar muito porque já vão chocar com manchas que foram queimadas mais ligeiramente, ou dois ou três meses antes”, disse o investigador, comparando o terreno a um mosaico de zonas ardidas e por arder.

Após a aplicação do método, os cientistas estimam “muito rigorosamente” quantas emissões se evitaram com a antecipação das queimas e é possível converter essas emissões evitadas em fundos de mitigação nos mercados de carbono.

“Na comunidade com que tenho tido mais contacto, umas centenas de milhares de dólares australianos reverteram para as comunidades locais, que são bastante pobres (…) e para quem este financiamento, este pagamento que recebem por emissões evitadas, tem um impacto fortíssimo na melhoria da sua qualidade de vida”, explicou.


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