Angolanos têm de se "unir" por projeto de transição pós-Lourenço

egundo o jornalista, esses movimentos de pessoas que querem um país diferente já “estão aí”, mas precisam de se unir.

Em declarações à Lusa, à margem do III Congresso da Angolanística, que decorreu em Lisboa, em que foi um dos oradores, Rafael Marques criticou João Lourenço, as lideranças angolanas, o Governo e defendeu um novo projeto para o país baseado “no conhecimento”.

“Nós temos de ultrapassar o partidarismo, a ideia de sociedade civil como um foco de exclusão ou de reclusão, temos de pensar como angolanos que querem um país diferente, independentemente das nossas convicções políticas, religiosas ou sociais. Porque Angola foi fragmentada pelo partidarismo, pelas obsessões”, considerou.

“Felizmente – isso também devemos atribuir à gestão de João Lourenço – hoje já há uma mentalidade diferente, e muitos militantes do MPLA [Movimento Popular para a Libertação de Angola, no poder desde a independência] que defendiam o partido Estado como tal, hoje defendem um debate, porque também sentem fome”, acrescentou.

Não admitindo que João Lourenço termine o seu mandato antes de 2027, como determina a Constituição, o diretor e fundador do Maka Angola disse: “Nós respeitamos a Constituição, mas exigimos que ele respeite também a Constituição”.

Agora, admitiu que “se a situação económica continuar a agravar-se como tal e, com a fome que também graça nos órgãos de Defesa e Segurança” o país poderá ter “um grande problema”.

Por isso, reforçou: “Teremos de pensar como juntar aqueles, quer ao nível do poder, quer ao nível da oposição, quer ao nível da sociedade em geral que começam a configurar um projeto de transição pós-Lourenço. Porque em 2027 Lourenço sai”.

“Eu sou pela Constituição. Ele tem um mandato que vai até 2027. Mas nós temos de pensar agora o que será Angola após Lourenço. Não vamos criar mais crises e conflitos, porque o país não tem condições de aguentar mais conflitos. Não é o que os angolanos precisam. Os angolanos precisam de soluções de paz e uma via de transição. Porque Lourenço vai sair. Está a prazo (…). Não vai conseguir um terceiro mandato”, afirmou, convicto, o jornalista.

Recordando que a Constituição angolana também não permite candidaturas independentes à presidência do país, Rafael Marques defendeu uma solução “em que os angolanos possam unir-se em torno do conhecimento”.

Para o ativista, um dos problemas do país tem a ver com a aposta “em lideranças políticas mal formadas”.

“É o que acontece com o sistema político atual. Tem de ser o partido a indicar o líder. Se o partido indicar um indivíduo bruto, temos de lidar com esse bruto, se o partido nos indicar um indivíduo que pensa bem, temos sorte. É isso que devemos ultrapassar para permitir que Angola consiga estar nas mãos daqueles que, de facto, têm ideias para a transição e para o bem comum”, referiu.

“Angola precisa de uma transição para rever todo o seu sistema político, de governo e de criação de espaços de nova conduta social, de um novo tipo de mentalidade que permita o desenvolvimento humano”, acrescentou.

Quanto aos movimentos de pessoas que podem estar nesse projeto, Rafael Marques apenas comenta que “esses movimentos estão aí”.

“As pessoas precisam é de união. E este Presidente está a ser um fator de desunião, uma ameaça à República pelo seu comportamento errático. Então é isso que nós precisamos reverter”, advogou.

Para Rafael Marques, “o que acontece com os dirigentes atuais é que chegam ao poder e pensam que o poder é deles”.

“João Lourenço está a pensar que ele é o dono do poder de Angola. Ele não é. O poder é do povo (…) e ele não pode estar a conduzir-nos para o abismo”, realçou. “Temos de ser nós, angolanos (…) a travar esse mau caminho”, reforçou.

As manifestações, salientou, são um direito consagrado na Constituição e deve haver respeito pelos direitos e deveres dos cidadãos: “É uma forma de protesto dos cidadãos quando a situação económica ou os atos do Governo merecem o repúdio, merecem a junção dos cidadãos para manifestarem o seu desagrado com a forma como os destinos do país estão a ser conduzidos”.

E o uso da força para dispersar manifestantes em protesto, como aconteceu no passado fim de semana, é no entender do jornalista “uma faca de dois gumes no contexto atual, porque o polícia também tem fome e também tem família, o soldado também”, alertou.

“Os dirigentes não podem continuar a pensar que estão em situação de total imunidade e impunidade perante a crise económica que devasta grande parte das famílias angolanas”, frisou.

Mas para o ativista o problema fundamental não são as manifestações é a ação que os angolanos devem exercer com base no conhecimento para encontrarem soluções para o país, “de devolução do poder de transição”.

“Temos problemas muito sérios ao nível da educação, ao nível da economia. Continuamos a falar de diversificação da economia, e o que é que o ministro da Economia faz? Quem sabe o que o ministro da agricultura faz?”, questionou.

“Uma parte do Governo só funciona para resolver problemas pessoais. São essas questões que temos de discutir todos os dias. Temos de criar espaço de liberdade em Angola e são os cidadãos que o devem fazer. E esses espaços de liberdade não passam só pelas manifestações, porque todos os angolanos podem sair à rua, mas se não tivermos uma estratégia, um plano sobre como alterarmos o quadro político e económico atual, poderemos ficar o tempo todo na rua e alteramos o quê?”, concluiu.

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