Antigo milho de sequeiro continua a dar p?o na Serra da Lous?

 

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 –  15-09-2014

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Antigo milho de sequeiro continua a dar pão na Serra da Lousã

O cultivo do milho predominou durante séculos nos campos de regadio de Portugal, mas uma variedade anã adaptada às terras de sequeiro continua a dar pão a pequenos agricultores da Serra da Lousã.

Debaixo de sol, José Carvalho chega a casa esbaforido, ao fim da tarde, e vai direito à capoeira para tratar a sua galinha de pescoço pelado, que debica o denominado milho gatanho com avidez.

Logo abaixo, na Quinta da Cachaça, arredores da Lousã, não falta água para regar um extenso viveiro com milhares de árvores de frutos. Só que este operário da construção civil, de 51 anos, vive com a família num planalto árido.

Quando muito milho de regadio ainda está no campo, em meados de Setembro, José e alguns vizinhos do lugar da Rogela já colheram o congénere de sequeiro há mais de um mês.

Trata-se de uma variedade de milho amarelo, rasteira, que só bebe água da chuva, se a houver, e que produz uma única espiga. «Por pouco que produza, sempre dá para sustentar as galinhas», afirma à agência Lusa José Carvalho, que cultiva este cereal há mais de 20 anos, seguindo uma tradição familiar.

Possui agora apenas uma galinha gorda de crista rubra, mas já teve dezenas de aves, alimentadas com este grão doirado e as couves do quintal. Lançado à terra em Março, a tempo de fruir da generosidade pluvial dos céus, o gatanho cresce no meio de uma vinha castigada pelo estio. «Eu não tenho hipótese de ter aqui outro milho. É uma maneira de aproveitar estes terrenos», refere o produtor, ao defender que esta variedade deve ser preservada.

Idêntica opinião tem Filipe Seco, que abandonou o curso de Comunicação Social para se dedicar à agricultura biológica. O vegetariano Filipe Seco, de 34 anos, produz o seu próprio pão, a tradicional broa de milho, com a «boa farinha» do gatanho da sua exploração do Ribeiro Branco. «É uma variedade antiga que não se deve deixar cair no esquecimento. Por ser de sequeiro, semeia-se um bocadinho mais cedo e não precisa de ser regada», afirma.

Com esta e outras variedades tradicionais, «há aqui a própria semente», destaca, ao admitir que, na cultura extensiva do milho, «as pessoas preferem semear um híbrido ou um transgénico» devido à elevada produção.

Membro da associação “Colher Para Semear”, rede portuguesa de variedades tradicionais, com sede em Figueiró dos Vinhos, Filipe Seco também aposta num milho de regadio, o pata-de-porco multicolorido, que garante produções mais vantajosas. «Não semeio para vender. É para alimentar as minhas galinhas e para fazer o meu pão», regozija-se.

Aos 78 anos, Maria Cortez mantém uma leira de milho gatanho, onde obteve dez alqueires, 110 quilos em Agosto. Já chegou a colher 50 alqueires deste milho, mas «o javali deu em comê-lo todo», na zona da Rogela.

«O milho híbrido dá muito, mas para broa não o quero. Este milho tem outro sabor», revela Maria Cortez, que cultiva o gatanho com ajuda do filho, José Orlando, e do neto.

José Orlando Cortez, de 53 anos, aprecia a broa que a mãe coze no forno de lenha, bem como as papas de milho com sardinha assada. «E broa desta com um bocadinho de presunto ainda melhor», graceja, ao mesmo tempo que exibe uma espiga abocanhada pelo porco-bravo.

O investigador Louzã Henriques, que associa o «povoamento tardio» das terras altas da região à abundância de água e ao cultivo do milho, após os Descobrimentos, realça que os montanheses cuidavam cada pé de milho «como se fosse um filho».

Nos solos mais pobres da Serra da Lousã, «para ver se aquilo dava um bocadinho de pão», semeavam centeio ou milho gatanho, segundo o etnólogo.

Fonte:  Lusa


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