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Apoio europeu à crise “deve ser com subvenções e não empréstimos”

Para Nelson Souza, o ministro que tutela os fundos europeus, alimentar o fundo de recuperação europeu com emissão de dívida mutualizada é “uma solução inteligente e criativa”.

Para Nelson Souza, o ministro que tutela os fundos europeus, alimentar o fundo de recuperação europeu com emissão de dívida mutualizada é “uma solução inteligente e criativa”.

O Governo português parte para o Conselho Europeu desta quinta-feira com a expectativa de que a Comissão Europeia saia com um “mandato substantivo e concreto” para que, “no mais breve espaço de tempo, possa apresentar uma proposta concreta” para criar um fundo que financie o programa de recuperação europeu. Em entrevista ao ECO, o ministro do Planeamento sublinha que há agora “consensos que não havia há cerca de duas semanas” e que se “começou a gerar um consenso” para que este instrumento seja financiado com base em endividamento mutualizado, “ou pelo menos, que deveria ser angariado diretamente pela própria Comissão Europeia”.

Nelson Souza defende a importância de dar “seguimento” às iniciativas decididas no último Eurogrupo, até porque serão esses os instrumentos que vão garantir a liquidez necessária para Portugal, por exemplo, começar a financiar, de forma intercalar, as iniciativas que vierem a ser definidas no âmbito do plano de recuperação da economia nacional.

Quanto ao Quadro Financeiro Plurianual, o ministro que tem a seu cargo as negociações com Bruxelas, defende a necessidade de o adequar à realidade pós-Covid-19 e defende que, sem alterar a proposta inicial da Comissão Europeia — de que cada Estado membro contribua com 1,11% do Rendimento Nacional Bruto — é possível eliminar totalmente os cortes na Política de Coesão e na Política Agrícola Comum.

Qual a expectativa do Governo para o Conselho Europeu de quinta-feira? Haverá uma resposta comunitária em prol do interesse comum?

O Conselho Europeu de quinta-feira é muito relevante. Em primeiro lugar tem de dar seguimento àquilo que já foi aprovado no âmbito do Eurogrupo: a iniciativa relativamente ao SURE, ao empréstimo do BEI e do Mecanismo de Estabilização Europeia (MEE) que carecem de aprovação do Conselho Europeu. É importante que essas iniciativas tenham seguimento para estarem disponíveis e operacionais no mais curto espaço de tempo. De preferência até final de maio. Apesar de ser ainda um pacote insuficiente para responder a todas as necessidades que os Estados-membros têm para responder à crise decorrente do Covi-19, nomeadamente porque se trata exclusivamente de instrumentos de dívida que são, mesmo assim, relevantes no meio da emergência de forma assegurar liquidez e financiamento para as necessidade dos Estados membro.

Outra questão que o Eurogrupo endossou para o Conselho Europeu é a grande questão: como dar seguimento a esta ideia da criação de um fundo de recuperação para financiar o programa como o mesmo nome? A discussão à volta das linhas gerais deste fundo de recuperação que é a grande expectativa relativamente a este Conselho. Não uma expectativa de aprovação do formato definitivo, mas que seja conferido um mandato substantivo e concreto para a Comissão Europeia, no mais breve espaço de tempo, possa apresentar uma proposta concreta ao próximo Conselho Europeu que deve ser convocado mais cedo do que tarde.

Esta é a grande discussão que esperamos que possa dar finalmente resposta àquilo que é um completo essencial ao conjunto de iniciativas que já foram decididas pelo Eurogrupo.

É importante que essas iniciativas tenham seguimento para estarem disponíveis e operacionais no mais curto espaço de tempo. De preferência até final de maio. Apesar de ser ainda um pacote insuficiente para responder a todas as necessidades dos Estados-membros.

A vossa expectativa é de que as divergências manifestadas até aqui sejam serenadas e seja conferido esse mandato substantivo?

Nota-se que há aqui consensos que não havia há cerca de duas semanas. Desde logo, a discussão no Eurogrupo concluiu, a necessidade deste instrumento especificamente destinado a apoiar a fase da recuperação desta crise. E reconheceu também que este fundo deveria ser robusto, bem dimensionado, que pudesse responde à enormidade e intensidade do impacto em diversos Estados-membros, de uma forma diferente, com intensidades diferentes se veio abater entre as suas economias, contas públicas e sociedades. Há desde logo o reconhecimento dessa necessidade. Já é um avanço a disponibilidade para se discutir. Ao longo dos últimos dias, diversos Estados membros foram apresentando propostas à volta de como se deveria financiar e começou-se a gerar um consenso que este instrumento deveria ser financiado com base num endividamento que deveria ser mutualizado, ou pelo menos, que deveria ser angariado diretamente pela própria Comissão Europeia. É algo que vai ganhando muito peso e que reúne consenso inclusivamente até da parte da própria Comissão Europeia. A presidente da Comissão Europeia e diversos comissários manifestaram a sua concordância com este modelo. E existe já um consenso alargado sobre o modo de financiar esta iniciativa.

Não são as coronabonds, mas uma forma de mutualização da dívida de forma a não pesar sobre o endividamento público de cada país?

É uma solução inteligente e criativa que terá com certeza maior viabilidade para suscitar uma adesão do Conselho, que delibera por unanimidade e, como tal, as propostas têm de recolher a adesão de todos os seus membros. É uma solução que defendemos e que achamos deve ser agora avaliada em termos genéricos e os detalhes depois ser depois estudados e pormenorizados, mais à frente, pela própria Comissão Europeia.

Como vão ser transferidos os apoios para os Estados membros?

Do nosso ponto de vista é muito importante que se esclareça que instrumentos de apoio vai utilizar este fundo para transferir as verbas para os Estados membros. Essa é uma questão essencial para que esse instrumento possa ser útil e não ser mais um instrumento de dívida que vai agravar a situação com que muitos países já se confrontam que são os riscos de aumentar o seu nível de endividamento. É absolutamente essencial que este fundo, quando transferir os montantes financeiros que vai angariar com esta operação de financiamento para os Estados-membros, o faça a título de subvenções e não de empréstimos. Esta é uma questão essencial e o instrumento para ser útil para o que se propõe –, ou seja, apoiar a recuperação, e para ter utilidade sobretudo para os países com maiores níveis de endividamento, e que são, regra geral, muitos dos países do sul da Europa, alguns deles fortemente afetados pela crise do Covid-19 — estes mecanismos de transferência sejam de subvenção e não de empréstimo. Naturalmente algumas transferências, atendendo a sua natureza, podem ser revestir-se, por exemplo, de figuras híbridas, assumindo a natureza de instrumentos financeiros. Esse deve ser um recurso apenas de natureza excecional e muito adaptado a situações específicas.

Como por exemplo?

A necessidade de se financiar alguns investimentos que têm taxas de retorno suficiente apelativas no mercado para serem realizadas e financiadas com instrumentos financeiros. Existem projetos que podem ser financiados nessa base. Têm de ser muito bem delimitados, porque, por exemplo, despesa, mais de promoção do investimento público, despesas de natureza mais de retorno social, despesas de promoção de políticas ativas de emprego têm de ser, naturalmente, financiadas através de subvenções e não de empréstimos.

É absolutamente essencial que este fundo, quando transferir os montantes financeiros que vai angariar com esta operação de financiamento para os Estados membros o faça a título de subvenções e não de empréstimos.

Para o Executivo, esta distribuição deve ser feita de que forma? Utilizando, por exemplo, o critério que sugeriu Pedro Sánchez de que os países mais afetados pelo coronavírus, com maior número de infetados e que mais sofreram com a pandemia, ou outro tipo de tipo de critério?

Essa é outra discussão muito relevante porque, naturalmente, temos de ter em atenção duas questões nesta matéria. Por um lado, obviamente, este é um fundo de recuperação que tem de atender aos efeitos causados pela pandemia. Temos de ter indicadores o mais objetivos possíveis, dos impactos causados pela pandemia. Portanto, a consideração de indicadores relativos ao impacto direto da crise sanitária serão, naturalmente, admissíveis como justos como parte dos critérios. Mas também é preciso ter em consideração critérios de coesão e de convergência porque, de facto, as diversas economias, nos diversos Estados membro, também estão em situações de partida diferenciadas. Também devemos evitar que situações de fragmentação de condições dos mercados financeiros e do próprio mercado interno. Este fundo de recuperação deve ter em atenção objetivos de coesão social e económica e também de convergência. Temos de casar, de uma forma adequada, estes critérios de impacto da pandemia com critérios de coesão e convergência.

Faz sentido pensar que o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) pode funcionar como Plano Marshall?

O Quadro Financeiro Plurianual tal como existia perfilado antes da crise gerada pelo Covid, é uma realidade que, ela própria, teve de ser alterada no sentido de que o próprio o Quadro Financeiro Plurianual anterior à situação do Covid tem de ser rapidamente reformulado e concluído. Fazendo o quê? Reforçando o QFP e repondo, por exemplo, aquilo que, de uma forma obstinada muitos não queriam reconhecer, a necessidade de dar o devido lugar à Política de Coesão e à PAC. Fazendo eliminar os cortes das propostas que estavam em cima da mesa do período do Covid. Isso mesmo foi reconhecido pela presidente da Comissão quando disse que seriam revertidos esses cortes. Esse é um processo de correção, de ajustamento do QFP pré-Covid às condições que neste momento são reais.

Aquilo que o Quadro Financeiro Plurianual também veio acolher é uma nova missão de financiar o programa de recuperação da crise. É uma missão adicional que o QFP vai incluir, naturalmente com um reforço substantivo de meios. Se pensarmos bem, o que se pensa que este fundo possa vir a assumir entre um bilião e 1,6 biliões de euros, isto representa, na prática, mais um QFP, mais um MSF. Inserindo-se o fundo no próprio QFP haverá necessidade de se articular entre o antigo MFF e o novo plano de recuperação Não vai ser uma tarefa fácil, mas vão ter de interagir, até porque há muitas zonas que vão ter objetivos comuns.

Para esse aumento da ambição do Quadro Financeiro Plurianual vão ser necessários mais recursos. E numa situação de recuperação, em que todos os Estados membros, uns mais do que outros, vão estar confrontados com problemas de relançamento da economia, é pouco credível que os Estados estejam disponíveis para aumentar substancialmente as suas contribuições. Vai ter de emitir dívida para engordar o QFP?

Uma coisa de cada vez. Para o Quadro Financeiro Plurianual pré-Covid existe uma necessidade, partindo da proposta inicial da Comissão que era de 1,11% do RNB, corrigir aquilo que ele tinha de falta de ajuste às realidades que hoje em dia se impõem. Por exemplo, é absolutamente essencial que reponha os cortes que estavam em cima da mesa sobre a Política de Coesão e sobre a Política Agrícola Comum. Isto é perfeitamente possível fazer-se sem grandes alterações a esta proposta inicial da Comissão.

É absolutamente essencial que reponha os cortes que estavam em cima da mesa sobre a Política de Coesão e sobre a Política Agrícola Comum. Isto é perfeitamente possível fazer-se sem grandes alterações a esta proposta inicial da Comissão.

No início da discussão das QFP, o primeiro-ministro sugeria aumentar as receitas próprias do orçamento comunitário. Não está previsto emitir dívida também para alimentar o Orçamento comunitário?

Não. A mutualização da dívida é uma solução para se financiar o fundo de recuperação.

Mas porque não se coloca a hipótese de ser assim também para o Quadro Financeiro?

Porque temos de procurar soluções que possam merecer o consenso e aprovação dos 27 Estados membros.

O QFP demora, no mínimo um ano, a que o dinheiro chegue. Primeiro há que concluir os Acordos de Parceria, negociar os programas operacionais, montar os sistemas informáticos… Portanto isso não é a resposta rápida para a crise. O fundo seria a resposta? Qual o nível de rapidez com que poderá estar operacional?

Tem toda a razão. Uma das condições para que o plano cumpra a sua missão é que tenha capacidade de conseguir intervir o mais rapidamente. Porque a nossa ambição é começar a recuperação assim que começarem a aliviar as condições do confinamento que decorre para crise sanitária. E nossa expectativa é que isso possa suceder a muito curto prazo. Pelo menos esta primeira fase deste programa de recuperação que é, de alguma forma, a recomposição do nosso tecido produtivo, do relançamento e reanimação de todas as nossas empresas e tecido social. Portanto, vai ter de estar disponível a muito curto prazo. O tal mandato da Comissão também deve incluir, uma forma rápida, institucional e de gestão e de modelo institucional que rapidamente possa colocar à disposição dos Estados membros e das suas regiões estes recursos financeiros.

O Governo está a contar ter dinheiro fresco quando?

Não sabemos ainda quando podemos começar com mecanismos de efetiva disponibilização. O que sabemos é que podemos contar com os mecanismos de liquidez que os outros instrumentos nos podem proporcionar no sentido de começar a fazer o front loading de algumas destas medidas que mais tarde poderão vir a ser financiadas por este programa. Mas ainda é muito cedo para especular sobre esta matéria. Primeiro temos de aprovar este programa e depois, naturalmente, a própria Comissão Europeia estará já a pensar no quadro institucional e na forma como rapidamente transferir estes recursos para as economias. É uma condição essencial que este programa deve ter.

O primeiro-ministro disse, claramente, no debate quinzenal, que queria, no final de maio, com o consenso político mais alargado possível começar a gizar o plano de recuperação nacional. Para que esse plano possa existir tem de haver dinheiro para o financiar. Para se fazer um plano é preciso já ter alguma perspetiva de como financiar. Como é que o Governo está a fazer as suas contas?

Certamente é necessário saber com aquilo que contamos. Neste momento, antes do Conselho, de facto, ainda não temos certeza nenhuma. Aquilo que importa perceber são os contornos e a definição daquilo com que contamos. Até à altura de desenharmos o plano e de pormos à disposição as medidas, aquilo que nos importa é termos certezas sobre o modelo de financiamento, sobre os recursos e sobre as regras e critérios de elegibilidade. Porque depois a questão de liquidez e de disponibilidade dos recursos financeiros já é uma questão que podemos suprir com mecanismo de financiamento intercalar, seja através do BCE, seja dos instrumentos criados pelo Eurogrupo. Sabemos que montar um esquema absolutamente inovador como este, o time to market de uma solução deste tipo pode vir a demorar mais tempo do que aquilo que dispomos para começar a aplicar as medidas no terreno nesta primeira fase ainda de emergência do plano de recuperação. É assim que temos de trabalhar nesta conjuntura.

Quando ao fundo de resgate, existe um risco reputacional por assim dizer e para o primeiro país que decidir recorrer por ser identificado como um país que está em dificuldades?

Não quero exprimir opinião sobre essa matéria, até porque não é da minha competência acompanhar a nível de Governo. Mas, o que foi decidido, neste momento, é que grande parte do estigma associado a esse tipo de instrumento, que normalmente é trazido pela aplicação de condicionalidades, estilo como a troika aplicou na anterior crise, está completamente afastada neste esquema que foi discutido no Eurogrupo. A utilização desse instrumento, tal como ele foi decidido, não traz em si, aparentemente, nenhum estigma para quem o possa utilizar.

O ritmo da Europa é sempre lento. O risco de se sair da reunião do Conselho com um mandato pouco claro, pode ditar uma ameaça ao projeto europeu e à unanimidade da UE?

Muita gente poderá pôr em causa a utilidade do projeto europeu se esse ideal não conseguir responder a momentos como este que vivemos atualmente. Costuma-se dizer que os amigos são para as ocasiões. Por Tratado celebrado devemos solidariedade uns aos outros e o momento para a manifestar é este. Esta solidariedade é, neste momento, uma manifestação de grande racionalidade económica. A solidariedade é a única que cria perspetivas económicas para o futuro da Europa. Não apenas para aquelas que serão aparentemente beneficiários destas iniciativas mais solidárias, mas também para aqueles que, numa primeira fase, podem parecer que contribuem mais, mas que logo que a economia volte a crescer vão ser também os grandes ganhadores do relançamento do mercado interno.

Neste cenário de que as coisas não correm tão bem assim ou não tão depressa quanto os Estados membros gostariam que acontecessem. O Governo antecipa que se entre em 2021 com uma vaga absolutamente gigante de despedimentos, momento em que termina o travão imposto às empresas que recorreram às linhas de crédito?

Nesse momento, acho que devemos ter todas as energias focadas na construção deste cenário de construção do fundo de recuperação porque não existe razão para não acreditarmos que a Europa, de uma forma ou de outra, com mais ou menos adesão às teses que consideramos ideais, não consiga decidir o caminho que neste momento já reúne tão grande consenso.


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