Manuel Pinheiro

Apoios ao sector do vinho: no caminho certo? – Manuel Pinheiro

O Ministério da Agricultura, por via do Instituto da Vinha e do Vinho, tem aplicado um conjunto de medidas de apoio ao respectivo sector, o que é positivo. Três medidas estão na agenda actual e é para estas que chamo a atenção do leitor.

A primeira, trata-se de um apoio que procura compensar a perda de vendas de vinhos, medida pela diferença de certificação de vinhos de cada empresa entre os exercícios de 2019 e 2020. É uma medida que deve ser felicitada. Em primeiro lugar porque, ao apoiar quem certificou menos, está claramente a dar resposta àqueles que perderam vendas: não há desperdícios, é uma boa alocação de fundos públicos. A candidatura tem um processo informático muito simples, feito no site do IFAP (eu sei, devo ser a única pessoa desde 1143 a elogiar a informática do IFAP, mas aqui é bem merecido). Esta medida foi criticada por alguns sectores porque mede a perda de vendas tomando por base a certificação e não a facturação. Ou seja, um produtor pode ter certificado e rotulado vinho, mas depois nunca o ter vendido e não tem acesso ao apoio. Ou pior, ter vendido, facturado, pago o IVA mas não ter recebido do cliente. O IVV diz-nos que esta melhoria obrigaria a requisitos legais e administrativos de verificação da facturação que iriam atrasar irrazoavelmente o lançamento da medida. Seria uma melhoria, é certo, e deve ser registada para futuro, mas esta medida não pode deixar de ser cumprimentada: vai ter aos destinatários certos.

Estou longe de ter a mesma certeza quanto a duas outras medidas, já anunciadas e para publicação dentro de dias: uma medida de destilação e um apoio à compra de capacidade de armazenagem, o qual apelido com rigor de subsídio ao inox.

Estas duas medidas parecem partir do princípio de que há algures um lago de vinho, o qual precisa de ser armazenado ou destilado. Ora a questão que se coloca é: onde está esse lago de vinho?  Onde estão os números que revelam que Portugal tem hoje um stock de vinho de tal forma alto que faz resvalar os preços na produção? Desconheço e não foi apresentado ao sector tal estudo. Mais, se há um stock alto, então os preços da uva paga ao produtor deveriam estar a descer. E estão? Há algum estudo que o suporte? Ou a cotação do granel nos negócios entre empresas deveria está a descer. Está? A verdade é que não está e é por isso que não há números que o consubstanciem. Nem, tão pouco, se antevê uma vindima gigante que recomende medidas preventivas.

A segunda questão relaciona-se com os beneficiários. Ao contrário da medida de apoio a perda de vendas, que se destina a apoiar quem sofre com a crise, estas duas medidas não se focam em quem sofreu, mas distribuem por todos os candidatos. Podemos estar a financiar a compra de cubas de inox a quem está num boom de vendas. É esse o objectivo do governo?

Depois há uma questão que aflora a própria moralidade. Sabendo-se que os metais estão com cotações mundiais elevadíssimas e que há uma enorme especulação no mercado, com os fabricantes a dar orçamentos com validades de 8 ou 15 dias, financiar a compra de inox não é precisamente estar a injectar dinheiros públicos para alimentar a especulação?

Portugal tem hoje uma capacidade de armazenagem excedentária, repito e corrijo, claramente excedentária. Mesmo que haja empresas com necessidade de cubas, não faria sentido incentivar que uns aluguem capacidade excedentária a outros, ao invés de pagarmos a cada empresa a compra de cubas para uso exclusivo? Reveja-se o disparate que foi o financiamento de linhas de engarrafamento para todos, ao invés de fomentar centrais de engarrafamento, à semelhança do que vemos em tantos pontos do mundo. Era interessante que um estudo (sim, isso, financie-se!) avaliasse qual a capacidade real de engarrafamento que o País tem. Não podemos continuar a financiar um tractor para cada agricultor mesmo que tenha meio hectare de vinha, uma cuba e uma linha de engarrafamento para cada empresa, mesmo que estas fiquem inactivas metade do tempo, como se as partilhas de bens e serviços não fossem, afinal, uma alavanca de competitividade.

Ao invés de subsidiar a armazenagem de vinho ou de financiar a destilação, uma prática que recorda a PAC dos anos 80, julgo que faria todo o sentido apoiar e potenciar a capacidade comercial e, em particular, exportadora de produtores, cooperativas e empresas. Portugal tem vindo a trilhar um caminho muito robusto nos mercados mundiais. Este período em que o mundo do vinho sente o abalo da economia é precisamente o correcto para Portugal ir ao mercado com mais força, pois temos óptimos vinhos, somos competitivos, temos um défice de valorização.

Importaria, pois, uma medida que reforce a capacidade competitiva das empresas, a capacidade para contratar e valorizar profissionais e de investir na comunicação e promoção. É por aqui, e não pela armazenagem e destilação, que alavancaremos a recuperação do sector.

Manuel Pinheiro

Presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes


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