As árvores “conversam” debaixo da terra? Um novo estudo diz que não sabemos

A existência de uma rede fúngica subterrânea, através da qual as árvores “conversam” e trocam nutrientes, está a ser questionada por um artigo publicado na revista Nature Ecology & Evolution.

Já ouviu falar de uma teia subterrânea através da qual as árvores “conversam” e trocam nutrientes? Chamam-lhe Wood-wide Web. Esta rede de comunicação e cooperação no subsolo das florestas, composta por raízes e microrganismos, cativou o interesse e a imaginação popular após ser descrita em trabalhos científicos há cerca de 30 anos. Não existem, contudo, fundamentos científicos sólidos que confirmem a sua existência nestes moldes, afirma um artigo publicado esta segunda-feira na revista Nature Ecology & Evolution.

“O maior desafio aqui é que sabemos que as nossas conclusões provavelmente encontrarão muita resistência. As pessoas adoram esta história! No entanto, não é apenas o público que foi cativado, os cientistas também foram enganados. Mostramos isso na nossa análise de citações, onde o número de afirmações não fundamentadas feitas sobre estudos de campo anteriores aumentou com o tempo na literatura científica”, afirmou ao PÚBLICO a co-autora Justine Karst, professora da Universidade de Alberta, no Canadá.

Karst e outros dois co-autores realizaram “uma análise minuciosa” não só dos estudos científicos, mas também das citações referentes à existência destas redes comuns em florestas. E concluíram que “as interpretações exageradas dos resultados”, bem como “as citações enviesadas”, estão a induzir as pessoas em erro no que toca ao entendimento do que são as redes comuns, assim como o seu papel em áreas florestais.

“Reconhecemos que poderá levar algum tempo para as pessoas aceitem que esta história ultrapassa o que diz ciência. Demorou um pouco para que nós próprios aceitássemos”, admite ao PÚBLICO Justine Karst.

O que é micorriza?

Os autores analisaram como 593 artigos sobre a estrutura de redes comuns de micorriza (RCM) e outros 1083 acerca da sua função e referenciaram descobertas de 18 artigos originais, vastamente citados. Para o trio, os resultados dos estudos de campo são variáveis, podem ter explicações alternativas que não foram consideradas ou então são muito limitados para permitir generalizações.

Antes de avançarmos nesta controvérsia, um conceito importante: micorriza é uma associação simbiótica entre as raízes de uma planta superior e um fungo especializado, na qual as duas espécies saem a ganhar uma vez que trocam nutrientes. Nesta relação específica, a entreajuda tende a ser mais vantajosa do que a competição.

Raízes colonizadas por fungos micorrizos são extremamente comuns. Os micélios oferecem às plantas água e nutrientes que retiram dos solos e, como moeda de troca, recebem moléculas baseadas em carbono (açúcares). Até aí, não há grande discordância. O que está então em causa nesta controvérsia sobre as redes comuns de micorrizas?

Nos anos 1990, a ecóloga Suzanne Simard desenhou uma experiência para compreender melhor a circulação de nutrientes na floresta. A cientista, que na altura trabalhava no Ministério para as Florestas da Colúmbia Britânica, no Canadá, recorreu ao carbono radioactivo para demonstrar a circulação de nutrientes entre árvores de idades diferentes.

A experiência foi desenhada para que, num dado momento, as árvores mais jovens deixassem de receber luz solar – o que as faria ter dificuldade em fazer fotossíntese. Quando esta operação teve lugar, a absorção de carbono radioactivo disparou, sugerindo que o fluxo subterrâneo de nutrientes poderia estar a auxiliar o crescimento de plantas mais jovens em condições desfavoráveis.

O anúncio da Wood-wide Web

Os resultados foram divulgados em Outubro de 1997 com pompa e circunstância. A descoberta de Simard e colegas foi capa da prestigiada revista Nature, que ostentava o título Wood-wide Web, numa referência à vasta rede de comunicação que pode haver sob os troncos da floresta, a exemplo do que é a Internet. Emergiu daí a imagem de que as árvores que “conversam” entre si, estabelecendo relações complexas com microrganismos que povoam o subsolo.

Simard e outros ecologistas dedicaram as últimas décadas à investigação da relação entre árvores e fungos. A professora da Universidade da Colúmbia Britânica, assim como outros colegas, defendem que uma vasta teia subterrânea os une, uma […]

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