A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) defendeu hoje que a melhor forma de melhorar a Carta de Perigosidade de Incêndio Rural é “fazê-la desaparecer”, considerando que as autarquias já dispõem de instrumentos suficientes para prevenir os fogos.
A ANMP foi esta tarde ouvida na Assembleia da República pela Comissão de Agricultura e Pescas no âmbito de várias audições, a pedido do PSD, sobre a Carta de Perigosidade de Incêndio Rural, de caráter nacional e publicada em 28 de março deste ano.
Esta Carta, que é instrumento para planeamento das medidas de prevenção e combate a incêndios rurais, para definição dos condicionamentos às atividades de fruição dos espaços rurais, tem motivado críticas de várias comunidades intermunicipais, municípios e de uma associação de vítimas de incêndios.
O documento tem sido criticado por ser desajustado da realidade dos territórios e por estabelecer regras que podem contribuir para maior desertificação, porque, ao limitar intervenções nos territórios considerados de maior risco de incêndio, poderá levar ao desinvestimento e consequente abandono desses locais.
Assim, à semelhança de várias entidades locais e de poder autárquico, também a ANMP teceu duras críticas ao documento, considerando que “não tem em conta a realidade local” e “traz prejuízos aos territórios do interior”.
“Esta carta não é necessária porque já existem instrumentos suficientes nos municípios. Chega de burocracias, de entropias. É grave querer persistir num erro. Este documento vai matar e despovoar ainda mais os territórios”, afirmou aos deputados Fernando Queiroga, vogal do conselho diretivo da ANMP.
A audição da ANMP, que representa atualmente 307 municípios portugueses, decorreu no mesmo dia em que o PS anunciou que na segunda-feira será publicado um decreto-lei que suspende a Carta, o que faz vigorar até março de 2023 os documentos que constam atualmente nos planos municipais de defesa da floresta contra incêndios.
O grupo do PS no parlamento já tinha reiterado disponibilidade para corrigir e aperfeiçoar este instrumento, que foi elaborado segundo critérios internacionais e com o suporte científico de entidades como a Direção-Geral do Território (DGT) e a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF).
Questionado sobre sugestões para melhorar esta carta, Fernando Queiroga (PSD), que preside à Câmara Municipal de Boticas (distrito de Vila Real), afirmou que “a melhor sugestão para melhorar a carta” é fazê-la desaparecer.
Essa ideia foi também partilhada por Marco Martins (PS), também vogal da ANMP e presidente da Câmara Municipal de Gondomar.
“Não pode haver uma carta feita em Lisboa, por científicos e depois não ser transposta. Os municípios querem trabalhar. Podem usar os instrumentos que têm e serem afinados”, apontou.
Ainda no âmbito da Carta de Perigosidade de Incêndio Rural, a Comissão de Agricultura e Pescas ouviu também Francisco Castro Rego, ex-presidente do Observatório Técnico Independente (OTI), que teceu algumas críticas ao documento.
“Relativamente à componente técnica da carta, o Observatório já tinha feito algumas considerações sobre esta matéria, com algumas críticas, mas não foi ouvido”, apontou.
Segundo explicou aos deputados Francisco Castro Rego, houve questões de consistência técnica “que não ficaram bem resolvidas”, nomeadamente no que diz respeito aos critérios para avaliar a perigosidade.
“Quando se associa o histórico das ocorrências e dos incêndios com a suscetibilidade dos vários usos dos solos, nós estamos a misturar dois tipos de informação e essa mistura pode dar um resultado que não seja o mais adequado. Muitas vezes, áreas do território que tiveram sujeitos a fogos frequentes, com certeza nos próximos anos terão menor risco, enquanto outras com as mesmas condições que não tiveram incêndio nenhum têm um combustível acumulado e podem ter riscos e intensidade de incêndio mais forte”, argumentou.
Durante a tarde de hoje foi também ouvida a Associação Nacional de Freguesias (Anafre) que defendeu que a Carta de Perigosidade deve servir como ponto de partida para a discussão de medidas de prevenção adaptadas aos territórios.