“Aterragem Suave” das Quotas Leiteiras? – Carlos Neves

A Comissão Europeia anunciou recentemente, no âmbito da “Health check”/revisão intercalar da PAC, a intenção de preparar a “aterragem suave” das quotas leiteiras, pois o seu fim “está previsto para 2015”. “Aterragem suave” é uma expressão curiosa mas bastante oportuna, já que surge num período de turbulência no sector dos lacticínios, com a produção em queda livre e o preço do leite em altos voos.

Entretanto, surgiram reacções de produtores e governos de outros países. Que vai responder Portugal em relação a esta revolução que se anuncia para o sector? Independentemente de uma posição mais estruturada que os jovens agricultores poderão assumir sobre o tema, julgo ser importante alinhar desde já alguns tópicos para iniciarmos o debate que urge fazer.

Em primeiro lugar, devemos lembrar que as quotas ainda não acabaram. Está acordada a sua existência até 2015. Será difícil a sua continuação depois dessa data mas também será difícil que acabem antes. Devemos lembrar ainda que muitos previram e defenderam o fim do sistema na reforma de 2003, nomeadamente o país de origem da comissária. A diferença que se nota agora é que aqueles que mais defenderam o sistema (caso dos franceses) parecem resignados, mas a procissão ainda vai no adro.

Em defesa do fim das quotas, diz-se que elas já não se justificam porque não há excedentes, o mercado está a funcionar e a produção abaixo do consumo. Ora, o fim dos excedentes foi consequência do limite de produção imposto pelas quotas, um sistema que, em vez de ser um mecanismo dependente do orçamento comunitário, ajuda esse orçamento. Se acabarem as quotas, mais cedo ou mais tarde, voltarão os excedentes. E então, como se vai lidar com esse problema?

Que estrutura de produção podemos esperar num regime livre de quotas? Talvez seja oportuno ver a realidade de países sem esse sistema, como os EUA: Aumenta a produção, baixa o preço, baixa a produção, aumenta o preço e assim sucessivamente; Aumenta também o tamanho das explorações, procurando economia de escala. Contudo, isto aqui é Europa. Temos regras ambientais e sociais mais apertadas que o Tio Sam. Não podemos contratar ordenhadores mexicanos “à semana”. Além disso, temos as regiões de montanha, o minifúndio e as regiões ultra-periféricas em risco de abandono da agricultura, despovoamento e desertificação.

A hipótese de eliminar as quotas antes de 2015 (o seu aumento progressivo, acima da produção, a partir de 2009, significaria que deixavam de ter qualquer valor as quotas detidas, porque nunca haveria multas) é uma falta de seriedade por parte dos dirigentes políticos e uma falta de respeito em relação aos produtores (alguns com imensas dificuldades) que adquiriram quota leiteira. Caso a Europa decrete o fim efectivo do sistema, fará sentido indemnizar os detentores de quota pelo prejuízo causado por esta mudança de orientação política.

Para os jovens agricultores, o fim das quotas significa boas e más notícias: por um lado, permite a instalação de jovens sem histórico de produção e permite aos mais dinâmicos aumentar a produção de forma competitiva, canalizando o investimento para aspectos com retorno económico (instalações, genética, etc). Por outro lado, acaba com a estabilidade do sector que permitia fazer previsões e suportar encargos resultantes de empréstimos de longo prazo.

Essas dificuldades agravam-se num pais com poucos recursos, dependente do orçamento comunitário e que ainda não estudou como será o futuro da produção sem quotas leiteiras. É urgente estudar as consequências dessa mudança no nosso país e deveria ser o Ministério da Agricultura a avançar e fazer esse estudo. Se não o fizer, deve avançar a indústria de lacticínios, pois tem já muitos dados disponíveis e, dentro da fileira, tem mais capacidade económica para o fazer. É urgente estudar e debater este assunto de modo a definir rapidamente uma posição de fundo e propostas complementares que defendam a produção, transformação e consumo de lacticínios em Portugal.

Por enquanto, Portugal ainda não está preparado para discutir “como” se fará uma “aterragem suave” nas quotas. Por agora, o país está demasiado ocupado a decidir “onde” poderá fazer essa e outras aterragens: Portela+1? Ota? Alcochete?…

Carlos Neves
Jovem Agricultor

PRODER ou PROZAC? – Carlos Neves


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