A principal função da Agricultura é produzir bens alimentares. É uma condição basilar de sobrevivência humana.
Neste sentido, a riqueza de um país ou de uma região também se mede pela sua capacidade de produzir alimentos no espaço local para consumo interno e para exportação.
Esta afirmação deve constituir uma preocupação nos decisores políticos. Em especial a temática do auto-aprovisionamento alimentar deve ser uma das grandes prioridades de qualquer governação.
Esta é uma inquietude de importância crescente, porque a produção de alimentos em quantidade e qualidade está fortemente fragilizada por um conjunto de situações globais com consequência local, algumas das quais não controlamos.
Comecemos pelas alterações climáticas. O clima já não é o que era, é uma verdadeira caixinha de surpresas.
A Agricultura é uma actividade praticada ao ar livre. Quando semear ou colher são, hoje em dia, grandes incertezas. A variabilidade climática nos Açores é, também, um facto.
No Arquipélago, os anos atípicos são mais frequentes e os primeiros a terem esta percepção são os Agricultores.
Falemos, do período turbulento de negociações internas e externas da União Europeia e, em concreto, da reforma da PAC (mais uma) e os debates à volta da sua renacionalização, ou seja, tornar esta política menos comum e mais responsável de cada país. Como consequência, Portugal Continental e os Açores ficariam mais dependentes da importação de alimentos.
É, igualmente notório o braço de ferro entre o proteccionismo e o liberalismo. É o caso das quotas leiteiras ou quotas de vacas aleitantes que permitem as pequenas produções chegarem aos mercados.
Ao nível externo, assiste-se às negociações de liberalização nos acordos da OMC e o desafio da União Europeia passa por equilibrar as desigualdades de normas produtivas com países terceiros.
Ainda no campo das negociações e dos acordos, repare-se nos contratos em curso com o MERCOSUL ou com Marrocos, afectando a produção de carne de bovino e a produção hortofrutícola de Portugal Continental e dos Açores.
Falemos de segurança alimentar e, desde logo, na UE cumprem-se critérios de bem-estar animal e normas fitossanitárias que outros países não o fazem.
Alimentamo-nos de produtos que percorrem longas distâncias, com longos períodos de armazenamento e que se mantém iguais ao dia em que foram colhidos.
Atendendo aos diferentes critérios legislativos de segurança alimentar existentes entre continentes, ficamos impossibilitados de controlar como queremos o modo de produção destes bens.
Também, o grande debate entre a utilização de alimentos transgénicos e as suas verdadeiras repercussões irá proporcionar confrontos religiosos, ambientais e culturais, podendo alterar o modo como conhecemos os alimentos.
Mas a produção de alimentos será identicamente afectada quando se assiste à livre especulação dos preços.
Por exemplo, com o continuado embargo da Rússia ao trigo, parece surgir uma nova crise de cereais, mas também parece que esta crise deriva da especulação.
Urge, cada vez mais, conhecer a formação dos preços. Perceber afinal quem ganha com os produtos, pois os Produtores recebem pouco e os consumidores pagam muito. Precisamos de um Observatório Regional dos Preços com razões ainda maiores na Região por via da dispersão geográfica e todos os custos associados.
É preciso haver transparência dentro da cadeia alimentar que evite as desconfianças e que possibilite, por exemplo, que todos tenham o mesmo conhecimento aquando do processo de negociação do preço do leite.
Continuamos sem saber quanto custa produzir, transformar, transportar e vender um litro de leite ou um quilo de carne nos Açores.
O aumento previsto da população mundial atinge a disponibilidade de alimentos. Em 2050 seremos mais 9 bilhões de pessoas no mundo. Isto é, temos de produzir mais alimentos, mas com menos área agrícola disponível e mais restrições ambientais.
A título de exemplo Portugal entre 1995 e 2003 perdeu 5,1% da sua Superfície Agrícola Útil (SAU) enquanto o decréscimo na União Europeia foi de apenas 1,9%.
A procura de novas energias também é outro factor que afecta a quantidade de alimentos.
Existe uma crescente utilização dos cereais para as energias alternativas. O milho e a soja são cereais cada vez mais utilizados para produzir combustível. Está em marcha uma voraz competição entre a alimentação humana e as energias.
Além destas circunstâncias vivemos em Ilhas sujeitas às intempéries e fenómenos naturais e, a natureza, de vez em quando, recorda-nos deste aspecto, pelo que a disponibilidade de alimentos é uma condição de primeira prioridade.
Acresce a distância dos mercados e os respectivos custos do transporte.
É a esta conjuntura que não devemos ficar alheios, assobiar para cima ou ter uma política de passepartour.
O aumento da produção Regional de alimentos de forma sustentada, ou seja, durável e viável é um factor de competitividade, com todos os benefícios económicos, sociais e ambientais. Em especial, emprego e fixação de pessoas. Sete Ilhas dos Açores estão tendentes ao despovoamento.
Nos Açores, o Governo Regional não acompanha o auto-aprovisionamento alimentar. É pois necessário avaliar o que realmente produzimos.
Neste sentido, tomemos como exemplo o alimento que produzimos em maior grandeza quantitativa, o leite, e aparentemente somos auto-suficientes, mas a verdade é que importamos mais matéria-prima para o produzir. Isto significa que importamos muito leite de forma indirecta. Então qual a verdadeira produção regional?
Os Açores com 3,3% da Superfície Agrícola Útil de Portugal produzem mais de 30% do total do leite nacional e 60% do queijo.
A este propósito, recordo que a produção animal representa 86% do total da produção agrícola regional, sendo 19,4% para a carne de bovino e 54% para o leite. Aliás, 16,8% dos bovinos existentes em Portugal estão nos Açores que possui 2,5% do território nacional.
Saber do grau de auto-aprovisionamento dos alimentos e matérias-primas assume-se como uma condição de segurança social e económica para os Açores.
É perante estes factos que interessa descrever a situação actual e prever. O princípio é simples não se pode agir sobre aquilo que não se mede.
O trunfo do Açores passa por diminuir a dependência alimentar exterior, melhorar a qualidade dos alimentos pela vertente nutritiva e recentrar a alimentação da bovinicultura nos recursos locais, como a erva e o milho e, na consequência certificar o leite dos Açores assim como determinadas produções hortofrutícolas e florestais.
António Ventura (*)
Deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores e Produtor Agrícola
(*) António Ventura é formado em Eng. Zootécnica, com Mestrado em Tecnologia Industrial, foi Presidente da Associação Agrícola da Ilha Terceira e Presidente da Federação Agrícola dos Açores (por inerência do cargo fez parte da Direcção da CAP). Na presente legislatura foi eleito Deputado pelo PSD da ilha Terceira.