Deparo muitas vezes, com desinformação por parte de alguns técnicos, revendedores, distribuidores e agricultores sobre o conceito de qualidade da matéria orgânica usada na agricultura portuguesa.
A inexistência de um único método e/ou de uma norma que permita avaliar qualidade de um composto e a confusão muitas vezes gerada pelos termos estabilidade e maturação, leva a diversas interpretações sobre o que é a qualidade intrínseca de um composto orgânico.
Dois termos aparecem frequentemente na literatura “estabilidade” e “maturação” e são usados indiferenciadamente. Contudo, estes dois termos não são sinónimos. Sendo a estabilidade uma etapa da decomposição da matéria orgânica e é função da actividade biológica e refere-se a um número de processos que reduz o nível de patogénicos, o odor, e o conteúdo em sólidos voláteis. A maturação é uma condição química e orgânica do composto que indica a presença ou a ausência de ácidos orgânicos que podem tornar-se tóxicos para as plantas. Um composto maturado é o produto resultante do processo de compostagem, em que a fracção orgânica se encontra higienizada e em adiantada fase de humificação ou de estabilização e a potencialidade de se decompor é reduzida.
A matéria orgânica de melhor qualidade está, para estes interlocutores/consumidores relacionada com a origem, sendo a origem animal a mais associada a qualidade. Matérias orgânicas de origem vegetal, são muitas vezes relegadas para um segundo plano, pois segundo estes não são tão ricas em azoto e a sua aplicação não levará a grandes benefícios para o solo.
Pergunto então, qual é a finalidade da aplicação de uma matéria orgânica ao solo? A melhoria da estrutura física deste ou a adubação? Os microrganismos do solo conseguem distinguir a origem?
A forte presença de um cheiro, muitas vezes amoniacal, “o cheiro a estrume” é também associado a um produto natural e com qualidade. Contudo um dos métodos mais práticos e rápido de avaliar a qualidade é a ausência de cheiro ou a presença de um cheiro semelhante a terra molhada.
Outros dos parâmetros muitas vezes avaliados é a relação C/N. Quanto mais baixa for, melhor a qualidade do composto, mais disponível está o azoto para a planta numa fase inicial logo após a aplicação. Ao assumirmos a relação C/N final como um indicador estamos a pressupor que a compostagem ocorreu dentro da “normalidade” e que partimos de uma relação C/N inicial ideal, o que muitas vezes não acontece. Quando usamos este parâmetro teremos que ter em atenção a relação C/N inicial e efectuar a razão entre a relação C/N final sobre a inicial. Um composto está maturado quando a razão é 0,75 ou idealmente 0,6.
Os metais pesados são associados exclusivamente a matérias orgânicas provenientes de RSUs ou Lamas. Havendo muitas vezes relutância na aplicação de matérias orgânicas com esta proveniência. Mas quando se fala em matérias orgânicas de origem animal, nunca se coloca este problema. Estarão ausentes?
Há dias ouvi uma afirmação que assumia os compostos “granulados” como compostos com qualidade superior. Esta afirmação não é totalmente correcta, a granulação pode na maioria dos casos encobrir alguns defeitos do composto. Alguns dos compostos existentes no mercado apresentam na superfície dos grânulos bolores, podendo mesmo ser veículos de transmissão de doenças quer para o aplicador quer para as culturas.
Relativamente ao mercado nacional de Correctivos orgânicos, e de acordo com um estudo elaborado no âmbito do dois estágios de fim de licenciatura no Laboratório Regional da Direcção Regional do Entre Douro e Minho, onde se avaliou 22 correctivos orgânicos comercializados no Entre Douro e Minho de origem nacional e europeia, posso afirmar que na maioria dos casos se comercializa matéria orgânica sem qualidade, que a longo prazo a aplicação continuada poderá levar ao aparecimento de problemas a nível de fitotoxicidade e no caso da aplicação em estufas do esgotamento dos solos devido a salinidade veiculada pelos correctivos orgânicos.
Em conclusão, quando adquirirem ou recomendarem correctivos agrícola orgânicos a qualidade têm de ser atestada além dos parâmetros usuais, adicionalmente, pelas seguintes determinações analíticas laboratoriais: taxa de humificação (%); ácidos húmicos / ácidos fúlvicos; consumo de oxigénio (mg.O2/kg.h); rotergrade (graus celsius); condutividade eléctrica (mS/cm a 25 graus celsius); teores em metais pesados (cádmio, chumbo, crómio, cobre, mercúrio, níquel, zinco); parâmetros microbiológicos (coliformes fecais, estreptococos fecais, salmonella, spp); azoto amoniacal (% da m.s.); teste de inexistência de sementes de infestantes.
Júlia Oliveira
Licenciada em Engenharia das Ciências Agrárias pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
Comercial do Correctivo Agrícola Orgânico NUTRIMAIS da
LIPOR – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto