Na Europa ocidental, enraizou-se o mito que, em determinadas áreas – como a alimentação e a farmacologia -, o natural é que é indiscutivelmente bom (por sinal, há poucas semanas, o consumo de ostras, ditas naturais, causou-me uma desagradável intoxicação). De facto, actualmente, nos países ricos alguns cidadãos preocupam-se com a intervenção do Homem no sentido de aumentar a produtividade agrícola ou de produzir novos medicamentos em desfavor dos produtos naturais.
Curiosamente, até à 2ª Guerra Mundial a maioria dos europeus sofria de subnutrição e a longevidade era bastante curta. Era tudo, na verdade, bastante mais natural.
Mas, entretanto, registaram-se progressos científicos antes inimagináveis, designadamente na agricultura e na farmacologia. Em consequência, os alimentos tornaram-se abundantes, baratos e mais seguros, e a medicina passou a dispor de uma ampla gama de medicamentos eficazes, com sublinhado para os antibióticos.
Da fome passou-se para a abundância (actualmente mais de metade dos portugueses sofre de excesso de peso, sendo os mais pobres os mais afectados) e a longevidade tende a aumentar cada vez mais (em Portugal, a esperança de vida dos homens à nascença passou de 48,6 anos em 1940, para 70,2 anos em 1990). Dentre os benefícios nutricionais, proporcionados pelos progressos alcançados na agricultura nas últimas décadas, sobressaem os resultantes do maior consumo de alimentos de origem animal – leite, carne, ovos – reflectido, de forma visível, na estatura cada vez maior dos jovens europeus. Seja lícito anotar que, na opinião da generalidade dos nutricionistas, o consumo de carne de aves sem pele é recomendado como forma de conciliar proteínas de elevado valor biológico num alimento de baixa concentração energética – razão por que a carne de aves figura habitualmente na dieta das pessoas que se preocupam com uma alimentação saudável.
No caso da criação de aves de carne (frango, peru, etc.), têm-se verificado avanços notáveis em termos hígio-sanitários, ambientais e de bem-estar animal – tudo concorrendo, nomeadamente, para uma produção eficiente e socialmente responsável.
Quanto ao primeiro aspecto, registam-se progressos enormes no âmbito da profilaxia, com relevo para o uso de vacinas e a melhoria da higiene. Neste domínio, sublinhe-se a construção de aviários impenetráveis a ratos e a pássaros silvestres – agentes de transmissão de diversos microrganismos patogénicos, quer para as aves, quer para os consumidores de carne. Tudo isto contribui para uma maior segurança sanitária dos alimentos e uma maior eficiência produtiva, porque as aves se apresentam mais saudáveis.
São verdadeiramente extraordinários os crescentes avanços alcançados também no melhoramento genético (seleccionando as aves mais vorazes e, por conseguinte, com maior velocidade de crescimento), na nutrição (o que veio permitir alimentar as aves com rações balanceadas consoante as necessidades do animal) e no condicionamento ambiental. Os referidos progressos têm vindo a reduzir, cada vez mais, a quantidade de ração consumida por kg de aumento de peso vivo, o volume de água de abeberamento, e a quantidade de dejectos excretados. O que precede significa que a Avicultura eficiente tem-se revelado cada vez mais responsável ao reduzir os impactos ambientais e os custos de produção.
No que respeita ao bem-estar, é inquestionável que as aves se sentem confortáveis num ambiente com temperaturas dentro da zona de neutralidade térmica, ao abrigo da chuva e do vento, e alojadas sobre camas de palha – conforme se verifica nos aviários modernos.
Entretanto, Bruxelas decidiu promover a criação de aves ao ar livre – alegadamente em condições preferidas pelos animais – e, simultaneamente, estabeleceu restrições drásticas no tocante às contaminações microbianas dos produtos avícolas. Torna-se muito difícil, porém, conciliar as duas situações referidas: quando criadas ao ar livre, as aves domésticas ficam expostas ao contacto com vários vectores (ratos, pássaros, solo, etc.) de diversas doenças, viz salmonelose e campilobacteriose. Por conseguinte, no meu modesto entendimento, importa ser prudente na apreciação destas situações, tanto mais que as bactérias patogénicas em causa são muito sensíveis ao calor e não se consome carne de aves crua. Porventura, é sobretudo uma questão de bom senso, podendo-se, ademais, reduzir o risco dentro de certa medida, caso Bruxelas defina os produtos antimicrobianos a autorizar no tratamento das carcaças de aves.
Nestas circunstâncias, o risco para o consumidor reside apenas numa hipotética deficiente manipulação de carne eventualmente infectada, podendo então ocorrer a contaminação de alimentos que venham a ser consumidos crus, como as saladas.
Bastante mais grave é o perigo associado ao vírus da gripe das aves. Mas, neste campo, a Autoridade Veterinária Nacional e os Avicultores têm vindo a tomar medidas preventivas com vista a minimizar a probabilidade de ocorrência de surtos – susceptíveis de causar elevadíssimos prejuízos económicos à Avicultura nacional -, e, adicionalmente, têm demonstrado a maior competência e responsabilidade no domínio da comunicação do risco. Mais: o meritório profissionalismo patenteado pela referida autoridade deveria servir de modelo para outras entidades que, não raras vezes, têm difundido mensagens desproporcionadas e alarmistas, com consequências nefastas para a tranquilidade dos consumidores e a economia das empresas pecuárias.
Em Portugal, não obstante as dificuldades e riscos que enfrenta, o sector avícola tem denotado uma dinâmica apreciável, tornando-se competitivo a nível europeu e assegurando o auto-aprovisionamento do país em carne e ovos – o que se deve à competência e empenho dos intervenientes, a diversos níveis, na fileira avícola.
Manuel Chaveiro Soares
Prof. Agregado pela Universidade Técnica de Lisboa
Administrador do Grupo Valouro