Francesco Montanari

Azeite: algumas considerações para uma melhor fiscalização do setor ao nível europeu – Francesco Montanari

O recente estudo realizado pela Comissão Europeia sobre os controlos oficiais no setor do azeite – ‘controlos de conformidade’ nos termos da terminologia utilizada pela legislação europeia – para que tive a oportunidade de contribuir, proporciona a oportunidade de formular algumas considerações de cariz geral sobre a fiscalização nesta área.

A importância do azeite no contexto da dieta mediterrânica é hoje universalmente reconhecida. Além do seu papel nutricional, os azeites virgem e extra virgem, em particular, têm um valor económico relevante, comparado com outros alimentos que fazem parte da alimentação de muitos europeus, incluindo em Portugal. A agricultura biológica e a produção conforme as especificações técnicas de indicações geográficas protegidas garantem a este produto um valor acrescido muito relevante.

Desta perspetiva, não surpreende, portanto, que o azeite seja frequentemente alvo de práticas fraudulentas à escala nacional e sobretudo internacional, garantindo lucros substanciais a operadores que deliberadamente desrespeitam a lei. Por outro lado, as normas europeias e nacionais que regulamentam a produção e comercialização deste produto são, sem dúvida, muitas e complexas. Esta circunstância torna difícil nalguns casos o cumprimento da lei pelos operadores do setor bem como a atividade das entidades responsáveis pela fiscalização.

Como em qualquer outro setor, a realização de controlos oficiais sobre o azeite é essencial para garantir a transparência das práticas comerciais, reforçando-se por esta via a confiança dos consumidores e a dos business partners que compram azeite de origem portuguesa, espanhola ou italiana. Contudo, a fiscalização no contexto do mercado europeu apresenta atualmente algumas dificuldades.

Ao nível dos países produtores, entre os quais se encontra Portugal e onde se regista a maior mobilização de recursos para efeito da fiscalização, esses recursos são cada vez mais limitados por razões orçamentais e/ou devido à emergência de outras prioridades. Ao nível dos países não produtores, onde o azeite é geralmente comercializado no retalho e na restauração, faltam muitas vezes os conhecimentos técnicos e os instrumentos (por exemplo, laboratórios e painéis de provadores) para garantir uma fiscalização adequada.

Num contexto em que há cada vez mais trocas de informações entre as entidades fiscalizadoras dos vários países da União Europeia sobre situações de não cumprimento ou até de suspeita de fraude e tendo em conta a relevância económica do setor do azeite ao nível europeu, é imperativo reforçar a atividade de fiscalização.

Sem mencionar a necessidade de mais recursos financeiros e humanos, isso pressupõe, em primeiro lugar, a aposta num planeamento dos controlos oficiais que tenha mais em conta o risco efetivo de incumprimento ou fraude em vez da realização de um número mínimo de controlos a alcançar, tal como atualmente previsto pela normativa europeia.

Além disso, é indispensável fomentar uma troca de conhecimentos técnicos, jurídicos e setoriais em prol dos países não produtores. As entidades fiscalizadoras dos países produtores e a própria Comissão Europeia podem claramente facilitar essa troca através de conferências, formações e disseminação de linhas diretrizes e boas práticas. Claro que o setor produtivo poderá também desempenhar um papel importante neste contexto, por exemplo informando e educando os buyers de outros países que compram azeite sobre as corretas condições de transporte e armazenamento com vista a preservar a sua qualidade, contribuindo por essa via para a diminuição de situações de incumprimentos nos demais mercados em que esse produto é comercializado.

Por último, afigura-se necessário trabalhar no sentido de garantir mais harmonização ao nível das provas organoléticas cuja função é confirmar a classificação de um azeite como virgem ou extra virgem. Isso só será possível, entre outros, através da organização de testes inter-laboratoriais comparativos com base nos padrões de qualidade europeus e com ações de formação que ajudem os provadores a uma melhor familiarização com as especificidades sensoriais dos vários azeites que são produzidos nos União Europeia.

Mesmo assim, as análises sensoriais são um método que não deixa de ser alvo de críticas ao nível do setor produtivo pela sua alegada falta de objetividade, na medida em que se baseiam numa avaliação realizada por seres humanos e não através de um equipamento técnico. É exatamente neste contexto que se enquadra uma ação judicial promovida perante o Tribunal Geral da União Europeia no outono de 2019 por duas associações profissionais espanholas (causa T-822/19). A referida ação visa a obter a anulação de uma recente alteração legislativa do Regulamento (CE) No 2568/91 que, tornando os resultados das contra-análises das provas organoléticas irrefutáveis, violaria princípios fundamentais do direito europeu tais quais a presunção de inocência, a segurança jurídica e a liberdade de empresa. To be continued…

Francesco Montanari

Doutorado em direito europeu pela Universidade de Bolonha, especialista em direito agroalimentar e Diretor dos assuntos jurídicos e regulamentares da Arcadia International, antena Ibérica, Lisboa


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