Bem-Vindos! – Carlos Neves

Era uma vez um pai que tinha dois filhos. O mais velho ficou com ele a trabalhar a terra. O mais novo partiu, faliu e voltou mais tarde, arrependido e foi recebido com alegria pelo pai (para mais detalhes, ler Evangelho de Lucas cap.15, 11-32). Era uma vez um país com 10 milhões de filhos. Os mais velhos e meia dúzia de jovens agricultores ficaram a trabalhar a mãe terra, os outros partiram á procura de vida melhor. Partiram muitas vezes aconselhados pelos pais, como cantaram os Rio Grande no “Postal dos Correios” – “…o rapaz estuda nos computadores, dizem que é um emprego com saída…” – e regressam agora em alta velocidade (para mais detalhes, vejam o telejornal e leiam os jornais). 240 jovens agricultores com projecto aprovado por mês. 2800 entre Janeiro e Outubro. Instalaram-se mais jovens agricultores no último ano que nos seis anteriores.

A agricultura melhorou assim tanto? Não, foi o resto que piorou. A agricultura portuguesa vai seguindo o seu caminho, entre as vozes ignorantes que decretaram o seu fim vezes sem conta e os que de vez em quando têm paixões arrebatadoras pelo sector primário. Hoje muitos jovens metem na gaveta o canudo de um curso que lhes serve de pouco e deitam um olho às terras subaproveitadas da família, aos fundos comunitários e arriscam investir na agricultura. Deixam de lado as produções tradicionais e investem nas últimas “tendências”, como os pequenos frutos, de que o mirtilo é o exemplo mais famoso. Sem ressentimentos de irmão mais velho, permitam-me breves comentários a este fenómeno:

1) É muito positiva esta súbita paixão pela agricultura. A terra precisa de jovens e o povo precisa de toda a comida que possamos produzir. A agricultura deixa de ser o exclusivo de idosos desanimados e recebe uma nova vaga de jovens empreendedores. Mas, atenção:

2) É preocupante que muitos dos novos agricultores partam do zero, transformando completamente as explorações agrícolas da família que estavam em “hibernação” à décadas ou mesmo entrando na agricultura sem qualquer tradição familiar nas últimas gerações. É preocupante porque o aprendiz que não teve mestre aprenderá à custa dos seus erros, o que pode sair caro. Para prevenir isto, é fundamental procurar informação, visitar explorações instaladas, ouvir opiniões, estagiar em explorações disponíveis, procurar apoio técnico competente e fazer um plano de negócios realista.

A agricultura já não exige o esforço físico de sol a sol como antigamente, já há tractores com ar condicionado, previsão do tempo na internet, programas informáticos, estufas automatizadas, mas … o estrume ainda cheira a estrume, as moscas sujam, as estufas são quentes, o sol queima, o pó e a lama alternam-se, o clima prega partidas. Isto já não é tão duro como foi mas ainda não é tão doce como parece, visto da cidade, a saborear “pão de trigo com linguiça para a merenda / sempre dá pra enganar a saudade”.

3) Com mais ou menos dificuldade, será possível ultrapassar o desafio de produzir muito, bom e barato. Resta vender bem, o calcanhar de Aquiles da agricultura portuguesa. Na fileira agro-alimentar, entre produção, indústria e comércio estamos todos no mesmo barco, mas os agricultores são os escravos no porão a remar ou meter carvão nas máquinas. Quando o Titanic começa a meter água, são os de baixo que molham os pés. É por isso que são precisas as associações, organizações de produtores e cooperativas, para divulgar informações, defender os produtores no mercado e organizar a recolha, calibragem, transformação, embalamento e armazenamento dos produtos agrícolas em boas condições até ao cliente final. E é preciso que a Europa e os governos, além de dar apoios à instalação, criem e exijam o cumprimento de regras de mercado que equilibrem as relações e protejam o elo mais fraco da cadeia, a produção.

4) Por vezes, o tempo desgasta e corrompe o funcionamento de organizações agrícolas fundadas para defender os produtores que acabam atrofiadas na mão de dirigentes que se perpetuam no poder, com a desculpa de não haver ninguém para os substituir. É muito importante que os novos agricultores levem a sua energia e juventude para as organizações agrícolas envelhecidas. Importa não generalizar, separar o trigo do joio, salvar o que for possível ou partir para novas associações ou cooperativas se necessário.

Sejam bem-vindos então à agricultura, produzam o melhor possível, controlem a comercialização e renovem também as organizações agrícolas. Boa sorte e bom trabalho!

Carlos Neves

O sapo, o monge e o escorpião – Carlos Neves


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