Bioeconomia circular para aumentar o valor da floresta

Recursos florestais lenhosos com aproveitamento diferenciado, serviços do ecossistema remunerados e promoção de produtos florestais não lenhosos são três caminhos para aumentar o valor das florestas de forma sustentável.

As florestas são a mais importante infraestrutura biológica terrestre na Europa, sublinha o Instituto Europeu da Floresta em Leading the way to a European circular bioeconomy strategy, e a maior fonte de recursos renováveis na origem de variados bens e serviços.

Embora o sector florestal tenha rendido a Portugal, em 2017, mais de 10 mil milhões de euros em volume de negócios das indústrias e produção da silvicultura, muito do seu potencial continua ainda desaproveitado.

Um melhor conhecimento, gestão e aproveitamento dos recursos e resíduos florestais podem aumentar o valor da floresta. Há pelo menos três grandes áreas em que este pode ser reforçado:

1. Melhorar o aproveitamento dos recursos florestais e valorizá-los.

A madeira, a casca e outras partes habitualmente não utilizadas das árvores contêm ingredientes ativos com utilização na indústria química, cosmética, alimentar e farmacêutica, refere o Instituto Europeu da Floresta. Além das aplicações mais antigas, como a construção, o mobiliário, os aglomerados de diferentes aptidões ou o papel, estão a ser desenvolvidos novos biomateriais e bioprodutos lenhosos com valor acrescentado, como o lyocel, uma fibra ecológica, proveniente da celulose, usada na indústria têxtil para confecção de vestuário. Da mesma forma, os bioplásticos veem reconhecido o seu potencial em categorias como a embalagem flexível e rígida.

2. Valorizar os serviços do ecossistema através da sua remuneração.

Para além da produção de madeira, frutos ou a caça, as pessoas e a economia obtêm serviços ambientais dos ecossistemas florestais. Destacamos a regulação climática, o controlo da erosão, a melhoria da qualidade da água e do ar, a polinização e o sequestro de carbono, funções que tradicionalmente damos por garantidas, mas que precisamos de reconhecer, gerir e remunerar.

3. Promover os produtos florestais não lenhosos (PFNL), através da profissionalização, inovação e melhoramento das respetivas cadeias de valor.

A castanha, assim como outros pequenos frutos e bagas silvestres, integram a vasta lista de produtos agro-florestais e florestais não lenhosos, da qual constam também os cogumelos, a caça, o mel, a cortiça e a resina, assim como várias plantas usadas na alimentação e saúde. A exploração destes PFNL encontra-se pouco profissionalizada e a maioria permanece como atividade informal, mantendo “escondido” parte do seu valor.

Aumentar o valor económico da floresta é um fator determinante na decisão dos proprietários gerirem a sua área ou abandonarem a exploração, como sublinhou o Conselho Económico Social, em “Economia da Floresta e Ordenamento do Território”.

Bioeconomia circular: recursos renováveis, biodiversidade e descarbonização

Aumentar o valor da floresta vai ao encontro dos princípios da bioeconomia circular, que combina os conceitos de circularidade de processos com a utilização de recursos renováveis, num ciclo mais fechado, reduzindo o desperdício e incentivando a durabilidade, reciclagem e reutilização. Em resumo: fazer mais com menos e de forma mais sustentável.

Fazer mais com menos implica uma transição do modelo linear tradicional em que vivemos desde a revolução industrial – baseado na ideia de “produzir-utilizar-deitar fora” – para uma economia circular, com o objetivo de “produzir, reutilizar, recuperar e reciclar”. Em paralelo, fazer de forma mais sustentável significa passar de uma economia baseada em recursos não renováveis de origem fóssil para uma economia assente em matérias-primas naturais, renováveis, geridas de forma economicamente viável, ambientalmente responsável e socialmente aceitável.

O conceito de bioeconomia circular permite aumentar o valor gerado pela floresta segundo o paradigma do desenvolvimento sustentável, no qual a prosperidade socioeconómica da espécie humana tem de “caber dentro dos limites do planeta”.

A bioeconomia circular aplicada à floresta envolve:

  • as atividades que aproveitam e valorizam a biomassa e outros recursos e resíduos renováveis da floresta.
  • as dinâmicas que contribuem para a preservação e equilíbrio dos ecossistemas e da sua biodiversidade.
  • o reaproveitamento dos resíduos gerados durante os processos produtivos da indústria tradicional do sector agroflorestal e agroalimentar e das novas biorrefinarias.

De recordar que os últimos 200 anos decorreram na era industrial, construída com base numa economia linear e dependente dos combustíveis fósseis: petróleo, carvão e gás natural. Desde 1970 que a Humanidade está a usar mais recursos do que aqueles que a Terra consegue regenerar anualmente, o que significa que a nossa pegada ecológica é atualmente superior à capacidade do planeta, ou seja, à sua biocapacidade. A transição para a bioeconomia circular é urgente.

Economia circular – reciclar, reparar, reutilizar e inovar para criar valor

A escassez dos recursos naturais, os preços elevados das matérias-primas e a sua volatilidade, associados ao aumento estimado da procura por parte da crescente população mundial, motivaram o aparecimento do conceito de economia circular. A ideia não é recente e está muito associada à Ecologia Industrial (popularizada em 1989), à análise de ciclo de vida dos produtos, à filosofia de design Cradle to Cradle ou a biomimética (popularizada em 2002 e que parte da observação da natureza como inspiração para novas tecnologias, serviços e produtos).

Aumentar o valor da floresta apoia os produtores e a sua gestão

A urgência de transitarmos do modelo económico atual para uma economia descarbonizada, circular e baseada em recursos renováveis, abre novas oportunidades à floresta e aos materiais renováveis de origem florestal. É ainda uma forma de reforçar o papel do sector florestal na criação de emprego e rendimento, especialmente relevantes no meio rural.

O valor económico gerado pelas atividades florestais é um fator determinante na decisão dos proprietários gerirem ou abandonarem as suas explorações, como sublinhou o Conselho Económico Social em “Economia da Floresta e Ordenamento do Território”. Recorde-se que o valor económico não tem de ser exclusivamente atribuído pelo mercado. A produção de “bens públicos” não tangíveis justifica a sua remuneração pela sociedade através de políticas adequadas.

Tendo em conta as estimativas de que pouco mais de um terço da floresta portuguesa beneficiava de planos de gestão (ou equivalentes) nos países do sudoeste europeu, segundo o relatório State of Forest Europe 2020, este é um fator crítico para as economias rurais. Sendo a fragmentação da propriedade rural um desafio importante, dar escala à gestão florestal é condição necessária para assegurar a sua rentabilidade. O Instituto Europeu da Floresta deixa o alerta: “é necessário ultrapassar os problemas causados pela extrema fragmentação na propriedade florestal e na gestão para assegurar os benefícios dos serviços do ecossistema.”

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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