Numa altura em que tanto se fala de competitividade, inovação e sustentabilidade, em que se negoceia um importante acordo comercial, transatlântico, entre a União Europeia e os Estados Unidos, em que todos estamos a discutir e a preparar os Grupos Operacionais, Projetos no quadro do Programa Europeu para a Investigação (PEI), Horizonte 2020, é importante falar novamente de Biotecnologia.
Por outro lado, vivemos um momento particularmente tenso e ao mesmo tempo carregado de simbologia política, que pode alterar, em definitivo, o atual “status quo”, pelo que nunca a participação da Sociedade Civil foi tão importante.
De facto, na sequência da decisão do Tribunal Europeu de Justiça de condenar a Comissão pelo atraso na decisão da aprovação de um milho geneticamente modificado para cultivo (1507 da Pioneer), o Comissário Borg decidiu acelerar o processo, tanto mais que este evento já tinha desde há muito tempo o parecer científico positivo da EFSA.
Como era previsível, as reações não se fizeram esperar.
Do lado do Parlamento Europeu, foi aprovada uma Resolução que apela ao Conselho que rejeite a proposta da Comissão e, pasme-se, de não aprovar qualquer OGM até que estejam clarificadas as metodologias utilizadas nos processos de avaliação. Em relação aos Estados-membros, divididos como sempre, as tentativas de criar minorias de bloqueio estão na ordem do dia, os anti-GM mobilizam-se, enquanto se espera uma votação, já adiada, até ao próximo dia 12 de fevereiro, data limite para que os Estados-membros se pronunciem. Para além desta grande questão – seria o primeiro OGM para cultivo depois do único milho que está autorizado e da batata, que, infelizmente, nunca viu a “luz do dia” – temos alguns eventos para importação, de milho e soja, cultivados em larga escala em países como Brasil e os Estados Unidos, grandes exportadores para a Europa, que, se não forem aprovados em Bruxelas, podem criar dificuldades de aprovisionamento de milho e soja para a Indústria e Pecuária europeias ainda em 2014.
O mundo parece avançar num caminho e a Europa prefere ficar refém, aparentemente, de lógicas fundamentalistas e demagógicas, criando, pelas suas contradições e incoerências, perceções erradas na opinião pública. A propósito destas “conversas”, um amigo lembrava-me os tempos da Idade Média em que se rejeitava a ciência e os avanços mas nessa altura era o tempo do obscurantismo e da ignorância, dos “monstros”. Hoje, nos regimes democráticos e com todo o acesso à informação, exige-se naturalmente uma outra postura, sobretudo da parte de quem decide. Há um tempo para debate mas este não se pode eternizar, há que decidir e assumir os riscos, com base nas evidências científicas. Afinal, para que servem a Investigação e o Conhecimento?
Recentemente, no passado mês de novembro, teve lugar em Lisboa, uma Conferência mundial sobre Coexistência e Biotecnologia, organizada por um conjunto de organizações (ESAS/IP Santarém, ISA, ANPROMIS, FIPA e IACA) e que reuniu cerca de 200 participantes, cientistas e investigadores, representantes de associações, nacionais e internacionais, de produtores e de setores da agro-indústria, entidades reguladoras, Comissão Europeia e empresas públicas e privadas (ver mais informações e detalhes da Conferência em www.gmcc13.org).
Tratou-se de um momento importante que permitiu, ao longo de 3 dias, a partilha de experiências nos diferentes países do mundo, tendo em vista a promoção de um melhor conhecimento sobre a Coexistência e Biotecnologia Agrícola.
Falar de Coexistência é reconhecer que é possível termos diferentes tipos de Agricultura: convencional, biológica e com o recurso a Organismos Geneticamente Modificados. Ao partilharmos as visões dos académicos e cientistas, das Filipinas ao Brasil, Austrália, Nova Zelândia, Índia, Estados Unidos… em culturas tão diferentes como o milho, soja, papaia, algodão, batata, colza, arroz (para quando o arroz dourado?) e mesmo ao nível das espécies florestais, ainda é mais difícil entender a postura da União Europeia? Em nome de quê e de quem? Dos consumidores, da opinião pública? Como entender a recusa a populações carenciadas, da parte dos respetivos governantes em determinados países, de alimentos transgénicos, aprovados cientificamente, a não ser em nome de motivações políticas?
Há que reconhecer que a Biotecnologia é uma ferramenta que permite a melhoria das produtividades agrícolas e a competitividade dos sistemas de produção, ao mesmo tempo que poderá satisfazer as diferentes necessidades dos consumidores. Que permite produzir mais com menos.
No entanto, como qualquer nova tecnologia, tem de ser avaliada e monitorizada, com base em critérios científicos. Seguramente que não põe em causa a diversidade, multifuncionalidade, os valores da agricultura e dos cidadãos europeus porque a escolha deve ser sempre livre e consciente.
Durante a Conferência discutiu-se a temática da Coexistência sobre diferentes ângulos e perspetivas mas é evidente que as discussões têm de ter um “timing” e limites, não se podem eternizar, desviar do essencial, e é importante procurar respostas para o mercado e os operadores. O Mercado é hoje global, pelo que urge encontrar soluções harmonizadas, o que é tanto mais importante quando olhamos para o “pipeline” de novos eventos para os próximos anos.
A atual legislação europeia em matéria de transgénicos estrangula a inovação na agricultura e na cadeia alimentar, aumenta os custos para o setor agropecuário (5 biliões de €). Por outro lado, não podemos usar matérias-primas que foram aprovadas nos EUA, Brasil, Argentina ou Canadá, não podemos importar produtos que cada vez são mais cultivados, e produzidos, fora da União Europeia mas, ao mesmo tempo, a União Europeia abre as portas à importação de leite, carne e ovos provenientes de animais alimentados com matérias-primas que nos são negadas.
Enfrentamos uma concorrência desleal com os nossos parceiros no mercado mundial e, apesar de ser uma evidência e dos nossos alertas, nada acontece. Não é uma situação sustentável e há que mudar a atitude dos legisladores e a posição dos Estados-membros.
Precisamos, urgentemente, de acelerar os processos de aprovação de OGM na União Europeia, desde que tenham um parecer positivo da parte da EFSA e alargar a chamada “solução técnica” (Low Level Presence) à alimentação humana, uma vez que é aplicável apenas à alimentação animal.
Devemos reter a recente decisão do Tribunal Europeu sobre o milho 1507 e esperamos que os Estados-membros assumam as suas responsabilidades, levantando as proibições ao cultivo de milho transgénico no espaço europeu. E que, em nome da inovação e da sustentabilidade mas sobretudo do bom senso e da coerência, aprovem este novo evento.
Em todo este processo, apesar dos diferentes pontos de vista e posições antagónicas, a favor ou contra, não existem vencedores nem vencidos. Todos somos perdedores e pagaremos bem caro a fatura se nada se alterar.
Apenas defendemos uma outra política na União Europeia, baseada na ciência e não nas emoções. Na informação responsável e no direito à escolha da parte dos produtores, industriais e consumidores. Acreditamos que, desta forma, teremos uma Sociedade mais justa, mais responsável, mais sustentável.
Uma política baseada ou condicionada pelos rumores e pelo ruído e a falta de liderança e a incoerência dos decisores na União Europeia, não pode constituir um obstáculo à educação e ao conhecimento. Ao Desenvolvimento.
Jaime Piçarra
(Engº Agrónomo)
A nova PAC deve estimular a produtividade agrícola e a produção agro-pecuária – Jaime Piçarra