Boas práticas de higiene e segurança alimentar em lagares – Iris Salgueiro

O Regulamento (CE) n.º 852/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de Abril de 2004, relativo à higiene dos géneros alimentícios, estabeleceu a obrigatoriedade das empresas que operam nas fases de produção, transformação e distribuição de géneros alimentícios (à excepção da produção primária), adoptarem procedimento baseados nos princípios HACCP (Hazard Analysis and Critical Control Points – Análise dos Perigos e Pontos Críticos de Controlo), de forma a assegurar a segurança alimentar dos vários géneros alimentícios produzidos.

A segurança alimentar pode ser posta em causa pelo surgimento de três tipos de contaminações: físicas, químicas e microbiológicas.

Antes de iniciar a implementação de um sistema HACCP é necessário conhecer as características e recolher informação sobre os perigos historicamente associados aos produtos em questão.

O azeite é uma gordura líquida constituída essencialmente por triglicéridos, os quais possuem elevado teor em ácido oleico (superior 78%), baixo teor em ácidos gordos saturados, e teores reduzidos de ácidos polinsaturados, em particular ácido linolénico (inferior a 1,5%). O facto de ser 100% gordura não permite o crescimento microbiológico, sendo por essa razão um produto praticamente isento de perigos microbiológicos. De referir ainda que o azeite é uma gordura que se caracteriza por uma forte tendência de absorção de cheiros.

Tendo em conta estas características é legitimo afirmar que o azeite é um produto com um baixo risco de apresentar contaminações que possam pôr em causa a segurança alimentar, pelo que a garantia da segurança do produto é essencialmente assegurada pela manutenção das condições básicas para a produção de alimentos, os chamados pré-requisitos ao sistema:

Construção e Lay-out das instalações: As instalações de um lagar devem ser prevenir a entrada de pragas, através do fecho de todas as aberturas para o exterior e da colocação de redes mosquiteiras em todas as janelas com possibilidade de serem abertas para o exterior. Além disso, os pavimentos, paredes e tectos devem permitir uma manutenção e limpeza adequada.

De referir ainda que a utilização de madeiras deverá ser evitada ao máximo no interior das instalações pois é de difícil higienização e promove o crescimento de microrganismos, como bolores, que levam ao surgimento de odores estranhos.

As instalações sanitárias e vestiários deverão responder a todos os requisitos legais e permitir aos Colaboradores a manutenção dos padrões adequados de higiene.

Equipamentos: Todas as partes dos equipamentos que entram em contacto directo com a azeitona/azeite devem ser construídos em materiais adequadas para contacto com géneros alimentícios (Exemplo: aço inoxidável) ou ser revestimentos a tintas epoxi de grau alimentar. Além disso os equipamentos devem ser mantidos adequadamente de forma a evitar avarias.

A manutenção preventiva dos vários equipamentos deve ser planeada num “Plano de Manutenção” onde deverão ser definidos por equipamentos, quais as operações a realizar, com que periodicidade e o responsável. De referir que os lubrificantes e massa de lubrificação utilizados em peças/equipamentos em que haja risco de contaminação do produto, deverão ser de grau alimentar e deverão estar identificados no “Plano de Manutenção”.

É ainda necessário efectuar um registo de todas as manutenções efectuadas aos equipamentos, bem como possuir as fichas técnicas e de segurança dos vários lubrificantes e massas alimentares utilizados.

Higiene das Instalações e Equipamentos: É essencial garantir que as instalações e os equipamentos se encontram num adequado estado de limpeza aquando da sua utilização de forma a prevenir contaminações físicas e transferências de odores estranhos para o azeite.

Neste sentido é necessário definir um “Plano de higienização” que contemple as várias instalações e os equipamentos existentes nas mesmas, bem como os produtos de higienização a utilizar, o modo de efectuar a operação de limpeza, a periodicidade e os responsáveis. Uma vez que a actividade de um lagar, nas áreas de recepção da azeitona e extracção, é sazonal, é obrigatória a higienização de todas as estruturas e equipamentos antes de iniciar a campanha e no final da mesma. Durante a campanha, e nas restantes áreas (armazenagem e embalamento) deverão ser efectuadas as higienizações necessárias para assegurar a manutenção de um ambiente limpo e livre de possíveis contaminações.

Deverão ser mantidos registos de todas as operações de higienização efectuadas.

De referir que para as operações de higienização das áreas produtivas apenas poderão ser utilizados produtos de higienização adequados para utilização em industrias alimentares e que o lagar deverá possuir as fichas técnicas e de segurança de todos os produtos utilizados.

Os equipamentos de higienização deverão ser construídos em materiais resistentes e deverá ser evitada a utilização de madeira, mesmo que apenas nos cabos.

Todos os produtos de higienização deverão ser armazenados num local fechado devidamente identificado e deverão estar presentes as fichas de segurança. Os produtos líquidos deverão ser colocados sobre bacias de retenção.

Os equipamentos de higienização das áreas produtivas deverão ser diferentes e armazenados separadamente dos utilizados nas áreas sociais, além disso os produtos de higienização também deverão ser armazenados separadamente.

Água: A água utilizada no processo produtivo deverá ser potável e respeitar os critérios definidos no Decreto-Lei n.º 306/2007 de 27 de Agosto. Sempre que a água for proveniente de uma captação própria (Exemplo: furo) deverão ser tomadas as medidas necessárias para garantir a sua qualidade, sujeitando a água a um tratamento, caso necessário.

De forma a controlar a qualidade da água deverá ser definido um “Programa de Controlo da Qualidade da Água” que deverá definir as rotinas de análises a efectuar. As rotinas definidas devem seguir o controlo de rotina 1 e 2 e de inspecção definidos no Decreto-Lei n.º 306/2007.

Se a água for proveniente dos Serviços Municipalizados, devem ser requeridas e verificadas as análises trimestrais efectuadas pelos próprios serviços e deverá ser efectuada, no mínimo, uma análise anual à água para confirmar o estado das tubagens, etc.

Higiene e Saúde pessoal: De forma a garantir que os próprios colaboradores não vão transmitir contaminações ao produto é necessário estabelecer uma série de normas, entre as quais: higiene pessoal, uso de vestuário de protecção (bata e touca ou chapéu, no mínimo), proibição da ingestão de alimentos e bebidas, política de uso de adornos (brincos, pulseiras, relógios, etc). Estas normas deverão ser comunicadas a todos os Colaboradores, inclusive os eventuais.

A empresa deve ter contratado um serviço de medicina no trabalho e deve possuir as fichas de aptidão de todos os Colaboradores. Além disso, os trabalhadores que tenham contraído ou suspeitem ter contraído uma doença, potencialmente transmissível, não poderão trabalhar nos locais de manipulação do azeite e deverão dar conhecimento da situação ao responsável.

Controlo de pragas: Deverá ser implementado um sistema de controlo de pragas eficiente. O sistema deverá ser implementado por alguém que tenha formação e conhecimento necessários para manipular venenos, não sendo por sido, na generalidade dos casos, possível efectuar o controlo internamente, sendo necessário contratar os serviços de uma empresa externa.

Se existirem problemas ao nível da presença de insectos voadores no interior das instalações deverão ser instalados insecto-caçadores em locais estratégicos. Ter em atenção, que os insectocutores são desaconselhados.

Controlo de fornecedores: A empresa deve estabelecer contratos, ou requisitos para entrega, com os fornecedores, que proíbam uma série de práticas incorrectas ao nível da produção primária e transporte da azeitona: os tratamentos fitofarmacêuticos devem ser efectuados unicamente com produtos homologados e devem ser respeitados os intervalos de segurança, o transporte da azeitona em sacas deve ser desaconselhado e proibido em sacas de adubos, etc.

Para o embalamento do azeite apenas deverão ser utilizados materiais adequados e os certificados de conformidade dos vários materiais utilizados deverão ser solicitados às empresas fornecedoras.

Formação: Todos os Colaboradores que trabalhem directamente com o produto (azeitona ou azeite) deverão ter formação em higiene e segurança alimentar, bem como a formação necessária para o correcto desempenho das suas funções.

Os responsáveis pelo desenvolvimento e manutenção do Sistema HACCP (Equipa HACCP) deverão ser formação adequada na aplicação dos princípios HACCP.

Só após concluída a implementação dos pré-requisitos é que se deve avançar com a implementação do Sistema HACCP.

A implementação do Sistema HACCP inicia-se com a recolha e documentação de uma série de dados relativos ao produto e seu processo produtivo: âmbito do estudo HACCP, selecção da equipa HACCP, descrição do produto e processos, identificação do uso pretendido para o produto, elaboração do fluxograma e validação do fluxograma.

Após recolhida toda esta informação deverá ser conduzida uma identificação de todos os perigos para a segurança alimentar que não estejam directamente relacionados com os pré-requisitos. Estes perigos deverão ser avaliados relativamente à possível severidade dos seus efeitos e à probabilidade de ocorrência, avaliação esta que irá determinar se os perigos requerem controlo ao nível do Plano HACCP ou se o seu controlo é assegurado pelos Pré-requisitos do sistema.

Todos os perigos cujo controlo é necessário através do Plano HACCP devem ser levados à árvore de decisão para determinar se são Pontos Críticos de Controlo (PCCs) ou não.

Para todos os PCCs é necessário definir, no Plano HACCP, medidas de controlo (preventivas), limites críticos, medidas de monitorização (com responsáveis e registos associados) e acções correctivas.

Após concluído o Plano HACCP deverão ser estabelecidos métodos de verificação da conformidade dos vários requisitos com o definido, o que poderá passar por auditorias internas e externas, análises aos produtos, análise das reclamações, etc.

Toda a documentação definida e criada pela implementação dos pré-requisitos e Sistema HACCP deverá ser devidamente controlada e arquivada.

Iris Salgueiro
Eng.ª Agro-Industrial
Departamento Técnico da CONSULAI

O Sistema HACCP numa adega – Iris Salgueiro


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