Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos e Embrapa Meio Ambiente avaliaram a produção da alface em cultivo solteiro e consorciado com rúcula e rabanete, em sistema agroflorestal (SAF) e a pleno sol, quando irrigados por gotejamento, em experimento conduzido entre setembro e novembro de 2019, no Sítio Agroecológico da Embrapa Meio Ambiente.
Conforme Laísa Hurpia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), “adotando o mesmo manejo da água de irrigação, considerando a exigência hídrica da alface e seguindo às recomendações para o seu bom desempenho nos dois sistemas de cultivo, constatou-se que houve uma tendência de menor aproveitamento da água disponibilizada na irrigação, na maior parte do tempo do experimento, no tratamento com monocultivo de alface a pleno sol. Este fato pode ser explicado, em parte, pela menor evapotranspiração, decorrente da menor quantidade de folhas e raízes, ou seja, da menor densidade de plantas no sistema de monocultivo quando comparada com a densidade de plantas no policultivo”.
“Geralmente, continua Hurpia, a eficiência do cultivo consorciado depende principalmente do nível de competição e complementaridade, espacial e temporal, entre as culturas componentes, ou seja, capacidade dessas em maximizar a produtividade e o uso dos recursos disponíveis no local”.
Neste sentido, o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Joel Queiroga explica que, da mesma forma que o SAF geralmente proporciona uma maior produção por unidade de área e um melhor aproveitamento de insumos disponibilizados no processo de produção, como por exemplo, a água de irrigação, a hipótese era que o cultivo consorciado de hortaliças também proporcionasse uma maior produtividade e um uso mais eficiente da água.
“E de fato a nossa hipótese foi confirmada. Com o uso da mesma quantidade de água de irrigação no cultivo consorciado e solteiro, no consórcio além da produção de alface foi possível produzir também rúcula e rabanete, o que correspondeu a um aumento de produção de massa seca de hortaliças por unidade de área de 129,5%, em média (SAF e pleno sol), em relação ao monocultivo. Vale destacar que a seleção de espécies a serem consorciadas é muito importante, neste caso, em que as três espécies foram implantadas na mesma ocasião, após a colheita da rúcula e do rabanete de ciclos mais curtos, a alface que possui um ciclo mais longo e exige maior quantidade de água com o passar do tempo, teve espaço e insumos disponíveis e suficientes para o seu pleno desenvolvimento, complementa Queiroga.
E o pesquisador concluiu que a adoção de consórcios de hortaliças em SAFs é uma importante estratégia para os agricultores aumentarem a produtividade e a diversidade de produtos, e também aproveitarem com mais eficiência os insumos disponibilizados no processo de produção.
De acordo com a pesquisadora Aline Maia, da Embrapa Meio Ambiente, os resultados demonstraram também que a utilização do consórcio de hortaliças proporcionou um uso mais eficiente da água de irrigação considerando que, de maneira geral, os parâmetros avaliados de produção da alface neste sistema não foram muito diferentes dos observados no sistema de cultivo solteiro. “Obtivemos resultados muito interessantes, como por exemplo, o diâmetro horizontal que embora não tenha apresentado diferenças significativas entre os dois sistemas, tanto no SAF como a pleno sol, foi superior no consórcio quando comparado com o cultivo solteiro”, explica Maia.
Outro importante resultado foi com relação à produção de matéria seca, que no SAF apresentou diferença significativa e foi superior no consórcio quando comparado com o monocultivo, o mesmo não ocorreu a pleno sol. Neste caso, observamos que o sistema de consórcio apresentou uma interação positiva no SAF quando comparado com a produção a pleno sol, destaca Maia.
Processo
Os sistemas de consórcio são geralmente empregados por agricultores familiares para aproveitar ao máximo os recursos disponíveis, como área de cultivo, insumos e mão-de-obra, minimizando os riscos de insucesso do monocultivo com a promoção da diversidade da produção agrícola e fonte de renda.
Contudo, quando a água passa a ser um fator limitante nos SAFs, seja em quantidade total ou devido a uma distribuição irregular, a irrigação complementar torna-se necessária para garantir produtividade, sobretudo de planta desenvolvimento do sistema radicular, como a alface, a rúcula e o rabanete, quando comparadas as arbóreas que possuem menor tolerância ao déficit hídrico, com menor controle estomático e ou desenvolvimento do sistema radicular, como a alface, a rúcula e o rabanete, quando comparadas as arbóreas.
O experimento foi instalado em canteiros situados a pleno sol e na entrelinha de um SAF biodiverso implantado em dezembro de 2018, em um Latossolo Vermelho-Amarelo distrófico, textura franco-argilo-arenosa. O seu desenho foi desenvolvido pela equipe de agroecologia da Embrapa Meio Ambiente e instituições parceiras como o Mutirão Agroflorestal, reproduzindo os SAFs implantados por essa equipe em áreas de agricultores familiares.
De acordo com Waldemore Moriconi, técnico da Embrapa Meio Ambiente, esse tipo de SAF apresenta linhas de árvores com espaçamento de 5 m, intercalando linhas de árvores de produção econômica, frutíferas principalmente, e linhas de árvores nativas para produção de biomassa a partir de podas. Nessas linhas, as árvores foram distanciadas a cada 4 m e entre elas, com uma bananeira a cada 2 m.
Entre as espécies do SAF, encontram-se o Rambutam (Nephelium lappaceum), a Manga Rosa Bahia e a Manga Sabina (Mangifera indica), o Bacupari Redondo Doce (Garcinia brasiliensis), a Lima Ácida Taiti (Citrus latifolia), o Abacate (Persea americana), a Sangra d’água (Croton urucurana), o Mutambo (Guazuma ulmifolia), o Cedro Rosa (Cedrela fissilis), o Capixingui (Croton floribundus) e a Aroeira Pimenteira (Schinus terebinthifolia), complementa Moriconi.
Queiroga acrescenta que a interação positiva do consórcio de hortaliças observada para massa seca no SAF também foi observada no parâmetro de produção de número de folhas de alface, que embora não tenha apresentado diferenças significativas entre os dois sistemas, no consórcio foi superior ao monocultivo. “O consórcio possibilitou um aumento na produção de massa seca de hortaliças de 132,8% a pleno sol e de 126,1% no SAF quando comparado com o cultivo solteiro. Para se ter uma ideia em termos de aumento no número de unidades de hortaliças, no consórcio implantado este aumento foi de 166%” , esclarece o pesquisador.
O estudo completo está disponível em Irriga, Botucatu, Edição Especial – Sudeste, v. 1, n. 3, p. 546-556, dezembro, 2021, de Laísa Hurpia, Ronaldo dos Santos e Adnah Roque da Universidade Federal de São Carlos e Joel Queiroga, Aline Maia e Waldemore Moriconi da Embrapa Meio Ambiente.