Embrapa e Universidade Federal de Lavras estão testando técnicas nanotecnológicas contra a linfadenite caseosa, ou “mal do caroço”.
A doença acomete caprinos e ovinos em todas as regiões brasileiras, causando prejuízos financeiros aos produtores.
O novo tratamento usa nanopartículas e nanofibras para potencializar a ação do antibiótico diretamente nas áreas afetadas.
Com isso, além de reduzir custos, torna o processo ambientalmente mais sustentável e reduz os riscos de contaminação de carne e leite.
As instituições procuram parceiros para levar a tecnologia ao mercado.
A Embrapa e a Universidade Federal de Lavras (Ufla) estão utilizando técnicas de nanotecnologia para controlar a linfadenite caseosa, doença também conhecida como “mal do caroço”, que atinge caprinos e ovinos em todas as regiões do País. O novo tratamento consiste no uso racional de antibióticos aplicados diretamente na área afetada por meio de nanopartículas e nanofibras. Os principais benefícios do novo procedimento são a biossegurança e a diminuição do resíduo de antibiótico no leite e na carne oriundos desses animais. O tratamento disponível atualmente envolve um manejo trabalhoso e gera custos com mão de obra e medicamentos, tornando-se pouco viável para rebanhos numerosos, além de apresentar riscos de contaminação para o manejador e o meio ambiente.
A linfadenite caseosa ou “mal do caroço” é uma doença bacteriana infectocontagiosa que promove a formação de abscessos em linfonodos superficiais (gânglios linfáticos) ou em linfonodos e órgãos internos do animal. A enfermidade está presente em 94,2% dos rebanhos de ovinos e em 88,5% dos rebanhos de caprinos na Região Nordeste, onde se localiza a maior produção desses animais.
O tratamento convencional do abscesso maduro consiste na drenagem cirúrgica do conteúdo purulento do caroço, seguida da cauterização química da ferida com tintura de iodo a 10% por, pelo menos, dez dias (foto à esquerda). Caso o procedimento seja feito de forma incompleta, o abscesso pode voltar a aparecer na mesma região após alguns meses. O custo desse tratamento para o produtor é de aproximadamente 86 reais por animal.
As opções disponíveis, além de terem alto custo para o produtor, são trabalhosas e não possuem 100% de eficiência na eliminação do agente infeccioso no abscesso. O tratamento com iodo ainda apresenta risco de contaminação tanto para o manejador quanto para o meio ambiente, uma vez que requer a abertura do caroço e a drenagem do conteúdo, que possui alta carga bacteriana. Como a linfadenite caseosa é uma zoonose, pode ser transmitida para o ser humano.
O tratamento que está sendo desenvolvido pela Embrapa e Ufla avalia o uso racional de antibiótico priorizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a cloxacilina, maximizando a biossegurança e reduzindo o risco ambiental. O objetivo da equipe de pesquisa é chegar a um protocolo que seja pouco laborioso, tenha um custo mais acessível, alta eficiência e elevada biosseguridade.
De acordo com a pesquisadora da Embrapa Caprinos e Ovinos Patrícia Yoshida, que lidera o projeto, o resultado esperado é a cura do abscesso precoce, sem a necessidade de abertura e exposição ao material purulento, o que seria um procedimento mais seguro. “O novo tratamento consiste em administrar altas concentrações de antimicrobiano diretamente no abscesso, mesmo com baixas concentrações nos demais tecidos e sangue. Dessa forma, espera-se menor resíduo de antibiótico no leite e carne desses animais”, explica.
Nanotecnologia potencializa aplicações do antibiótico
Os pesquisadores utilizam a nanotecnologia para desenvolver duas novas opções de procedimento. Para o abscesso fechado, ainda no início da doença, está sendo testado o uso de nanopartículas (foto à esquerda), que têm a capacidade de direcionar o antibiótico para o interior das células infectadas pela bactéria causadora da linfadenite caseosa, para obter uma concentração maior do medicamento no local, o que pode favorecer o combate ao patógeno. “A bactéria se ‘esconde’ no interior das células de defesa do caprino, local onde muitas vezes o antibiótico não consegue atingir concentrações suficientes para eliminá-la. Por isso, muitas vezes ela sobrevive ao tratamento. Ao utilizarmos as nanopartículas para direcionar o antibiótico para o interior das células de defesa, conseguimos aumentar sua concentração nesse local e assim tornar o medicamento mais eficiente”, explica o pesquisador Humberto Brandão, da Embrapa Gado de Leite. Como as nanopartículas direcionam o antibiótico para o local da infecção, espera-se que o tratamento seja mais efetivo que os disponíveis atualmente.
A outra opção é o uso de nanofibras (foto abaixo, à direita) para o tratamento do abscesso maduro após a drenagem, em substituição à tintura de iodo a 10%, de modo a eliminar a bactéria e favorecer a cicatrização. “As nanofibras são ferramentas bastante interessantes para aplicações médico-veterinárias, pois podem ser produzidas com materiais biocompatíveis com elevada área de superfície e porosidade, que mimetizam a matriz extracelular, e permitem carregar grandes quantidades de fármacos, possibilitando sua liberação de forma lenta no sistema”, relata o pesquisador da Embrapa Instrumentação Daniel Corrêa.
Na Ufla, estão sendo desenvolvidos modelos computacionais com base nos resultados obtidos com animais para determinar com precisão os protocolos (doses e intervalos) de tratamento. O pesquisador Marcos Ferrante explica que trabalhar com modelos computacionais permite simular diferentes cenários, diminuindo o número de animais usados na pesquisa, além de maximizar o uso dos recursos financeiros. “Essas pesquisas permitirão otimizar as doses para protocolos terapêuticos em diferentes cenários produtivos, possibilitando aos produtores tratar os animais com a mínima quantidade de antibiótico necessária e sem comprometer a eficácia do tratamento”, complementa Ferrante.
Tecnologia depende de parceiros para chegar ao mercado
Atualmente, o desenvolvimento da nova técnica está em fase de testes com caprinos para definir a melhor forma de uso do produto, incluindo dosagem e frequência de aplicações. Segundo Yoshida, a equipe espera concluir os ensaios com os animais em condições controladas nos próximos três anos e encontrar parceiros na indústria farmacêutica para viabilizar a produção em larga escala para comercialização.
“Estamos prospectando parceiros para colocar o produto no mercado. A parceria com essa formulação pode ser em codesenvolvimento desse e de outros medicamentos. O parceiro interessado entraria com a expertise e infraestrutura de linha de produção, capaz de receber a tecnologia de formulações nanotecnológicas para uso farmacêutico. Essa tecnologia mostra potencial, visto que já foi testada em outras espécies animais e infecções, como mastite e ceratoconjuntivite em bovinos”, afirma a pesquisadora.
Impactos da doença no sistema de produção
A presença da linfadenite caseosa no rebanho traz diversos prejuízos para o criador, como queda na produção, aumento do custo com mão de obra e medicamentos para o tratamento, desvalorização da carne e da pele do animal, além de causar a morte de caprinos e ovinos quando a doença está muito disseminada no rebanho. Outro prejuízo importante é o descarte de carcaças (ou partes delas) e vísceras no frigorífico, podendo também impossibilitar a exportação da carne.
O produtor José Roberto Oliveira Alves possui um rebanho de 60 ovinos e 20 caprinos no município de Tauá (CE). Seus animais já foram afetados pela doença e ele adotou todos os procedimentos recomendados pelos especialistas: fez a inspeção dos animais e, quando o abscesso estava maduro, fez o corte e drenou a secreção, passou iodo e isolou o animal. “Tivemos um bom resultado porque retiramos do rebanho os animais afetados, controlamos e conseguimos diminuir. Claro que não acabou, mas diminuiu bastante. A linfadenite caseosa traz muitos prejuízos; os maiores são com relação à pele que fica estragada e à qualidade da carne, que fica imprópria para o consumo”, explica.
Medidas de controle e prevenção
1. Ao comprar os animais, o produtor deve colocá-los em quarentena para observar o aparecimento de abscessos e tratá-los antes de inseri-los no rebanho. Os produtores não devem compartilhar animais (reprodutores).
2. Os animais com abscessos antes da ruptura devem ser separados e isolados.
3. O corte cirúrgico do abscesso deve ser seguido de cauterização química da ferida.
4. O animal somente deve retornar ao rebanho após a completa cicatrização da ferida.
5. Todos os casos de linfadenite no rebanho devem ser anotados, com a identificação do animal, data em que teve a doença e localização.
6. As instalações devem ser desinfectadas com cal hidratada ou vassoura de fogo.
7. Animais que apresentam mais de um abscesso em sua vida produtiva devem ser descartados (sacrifício ou abate).
8. As carcaças dos animais mortos devem ser levadas para compostagem.
9. A carne de animais com abscessos não deve ser consumida. A linfadenite caseosa é uma zoonose e pode ser transmitida aos seres humanos.
Confira no vídeo mais informações sobre controle e prevenção da doença.
Dados sobre compostagem estão disponíveis nesta cartilha.
Artigo publicado originalmente em Embrapa.