Brasil usa vespa como agente biológico para controlo da mosca-da-fruta

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) está a utilizar  uma espécie de vespa como agente biológico para controle da mosca-da-fruta. A vespa em questão é a Doryctobracon areolatus, que já alcançou efetividade de até 40% de parasitismo das larvas da mosca – uma praga que está entre as maiores ameaças à fruticultura global.

De acordo com o entomologista Dori Edson Nava, investigador da Embrapa Clima Temperado do estado brasileiro do Rio Grande do Sul, a estratégia não passa pela utilização de produtos químicos, o que vai ao encontro das recentes indicações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) que regulamenta os procedimentos para que as frutas brasileiras recebam a certificação internacional de produtos de origem vegetal.

“Vários países da União Europeia impõem restrições ao uso de pesticidas na fruticultura e, por essa causa, para exportar para esses mercados o Brasil deve substituir as aplicações por alternativas limpas de controle de pragas”, esclarece o investigador brasileiro.

Ainda nesse sentido, o principal problema causado pela mosca-da-fruta é a inviabilização do produto para exportação, além de causar perdas também no mercado interno brasileiro. Dori Nava explica que as larvas da mosca-da-fruta destroem a polpa dos frutos para se alimentarem. “Ao realizar a postura, as fêmeas introduzem o ovipositor, causando um ferimento [abertura], que facilita a entrada de fungos causadores de podridões. Além disso, os danos provocam o amadurecimento precoce e consequente queda dos frutos”, explica.

O problema torna-se ainda maior quando há uma escassez de alternativas químicas para controlo do inseto, já que existem produtos químicos registados e permitidos no Brasil apenas para pomares de citrinos, maçã e pêssego. “A maioria das frutíferas não tem mais produtos registados para controle de mosca-da-fruta. Além disso, os que sobraram, principalmente os do grupo dos organofosforados, já foram banidos pelos países da União Europeia”, informa o investigador, que destaca a atuação do México, Israel e Chile, como referência em controle biológico de mosca-da-fruta, o que possibilita a exportação da sua produção para vários mercados consumidores mundiais.

De ressaltar, ainda, que existem dois tipos principais de mosca-da-fruta no mundo atualmente que causam grandes prejuízos económicos, ambas pertencentes à família Tephritidae. Entre estas destacam-se a sul-americana Anastrepha fraterculus e a mosca-do-mediterrâneo Ceratitis capitata.

Dori Nava refere que a mosca-da-fruta sul-americana é uma espécie de origem neotropical, ocorrendo do sul dos Estados Unidos até a Argentina. “No Brasil, essa espécie distribui-se em todas as regiões, atacando frutíferas cultivadas e nativas, e ataca mais de 90 espécies hospedeiras de 20 famílias botânicas. No Rio Grande do Sul (RS) e Santa Catarina (SC) é a espécie predominante”, revela.

O desenvolvimento da investigação

Os cientistas começaram a investigação recolhendo algumas informações básicas da biologia e ecologia da praga e, em especial, do parasitoide Doryctobracon areolatus. Na segunda etapa do processo, os cientistas procuraram estabelecer uma técnica de criação tanto para o hospedeiro (a mosca-da-fruta), quanto para o parasitoide. “A ideia é aprimorar as técnicas de criação para serem mais baratas e recorrerem a menos mão de obra, já que ela representa cerca de 50% do custo de produção nas criações”, observa Nava.

Para chegar a um resultado concreto, os pesquisadores tiveram que produzir as vespas dentro de um laboratório, para depois poder liberar os insetos em algum pomar que estive sob o ataque de moscas-das-frutas. Uma vez liberadas na plantação, as fêmeas do parasitoide começam a fase de localização das larvas da praga no interior do fruto. A partir daí ocorre então a oviposição, onde a vespa coloca os seus ovos no interior das larvas.

Depois do ovo posto pelo parasitoide, o mesmo irá eclodir numa outra larva, que tem por característica alimentar-se das vísceras e de todo o conteúdo do hospedeiro, até o momento em que ela transforma em pupa no interior do pupário da mosca-da-fruta. Em poucos dias irá ocorrer o que os especialistas chamam de “emergência” da vespa, o que evitará a perpetuação da mosca-da-fruta antes de ela se transformar num problema para a produção.

A equipa da Embrapa também realizou estudos sobre as etapas relacionadas com a seletividade de inseticidas ao parasitoide, comportamento de procura e parasitismo, entre outras. Segundo eles, todas essas fases são importantes para avaliar o possível uso da vespa em programas de controlo biológico e saber se esse uso será mesmo eficaz e útil para o fruticultor. “O que se procura é a resposta para a pergunta: qual é a taxa de parasitismo (controlo) em condições de campo? O seu uso é viável?”, indaga Nava.

Mesmo que a solução pareça bastante promissora, o cientista ressalta que o controle biológico não é uma opção única contra a mosca-da-fruta. Este método deve ser utilizado juntamente com outros também eficientes que irão trabalhar dentro da filosofia do Manejo Integrado de Pragas (MIP), que consiste num conjunto de medidas que visa manter as pragas abaixo do nível de dano económico (NDE), focando na prevenção e controlo.

De acordo com o investigadordor brasileiro, ainda faltam outras etapas para estabelecer parâmetros de liberação do parasitoide, como por exemplo a época, quantidade e frequência necessárias para que a utilização de técnica seja bem-sucedida. A tecnologia de controlo biológico foi desenvolvida pela Embrapa, mas em parceria com uma empresa privada local, a Partamon, com o intuito de comercialize a tecnologia no futuro.

Além da Partamon, o parasitoide Doryctobracon areolatus poderá ser produzido em biofábricas, como a Moscasul, que está a ser instalada na cidade de Vacaria, também do estado mais ao Sul do Brasil, e que empregará a Técnica do Inseto Estéril e de parasitoides para o controle biológico de mosca-da-fruta.

Os prejuízoss causado pela praga

Como já foi mencionado, o principal prejuízo causado por este inseto está relacionado com a venda do produto para fora do País, já que os pomares com infestação de mosca-da-fruta não são aptos para exportação e as perdas causadas também provocam prejuízos no mercado interno brasileiro. Isso porque as larvas da mosca-das-frutas destroem a polpa dos frutos para se alimentar, inviabilizando o seu consumo pelo ser humano.

Num pessegueiro, por exemplo, a fêmea da mosca-da-fruta instala-se no fruto e põe os seus ovos dentro do pêssego. A partir deste momento, o ovo começa a eclodir e transforma-se em larva, que irá alimentar-se do fruto. Como consequência, o fruto cai no chão e a larva transforma-se numa nova mosca, que vai repetir o ciclo.

Alguns estudos da Embrapa indicam que, dos 14,7 mil milhões de dólares anuais de perdas económicas na agricultura causadas por insetos, 1,6 mil milhões estão associados à produção de fruta. De acordo com avaliação realizada pelo Mapa, em 2015, para o Brasil, só a mosca-da-fruta causa um prejuízo anual de 180 milhões de reais, levando em consideração as perdas de produção, comercialização e custos de controle do inseto.

O Brasil é o terceiro maior produtor e também o terceiro maior exportador de frutas do mundo,  com uma área plantada de 2,3 milhões de hectares e uma produção de cerca de 44 milhões de toneladas em cada colheita. O total de frutas produzidas, apenas 2,5%, é destinado à exportação, segundo a Associação Brasileira de Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas).

Controlo Biológico

O controlo biológico de pragas, caracterizado pela regulação do número da população da praga ou doença por um agente natural, cresce exponencialmente no Brasil a uma taxa de 20% ao ano, de acordo com a ABCBio (Associação Brasileira das Companhias de Controle Biológico). Os especialistas classificam-nos como “agentes de mortalidade biótica”. Estes inimigos naturais das pragas são classificados como predadores, parasitoides e microrganismos.

“A premissa básica do controlo biológico é controlar as pragas agrícolas e os insetos transmissores de doenças a partir do uso dos seus inimigos naturais, que podem ser outros insetos benéficos, predadores, parasitoides, e microrganismos, como fungos, vírus e bactérias. Trata-se de um método de controlo racional, que atende aos princípios da sustentabilidade e que tem como objetivo final utilizar esses inimigos naturais, que causam menos impacto ao ambiente e à saúde da população quando comparados com o uso de produtos químicos”, explicou a Embrapa.

Além desta alternativa apresentada pela instituição, uma das formas de controlo da praga tem sido feita pelo uso de produtos fitossanitários em aplicação seletiva, na forma de isca tóxica, ou aplicação em cobertura. “Após as restrições de uso de produtos fitossanitários, devido à retirada do mercado de inseticidas do grupo dos organofosforados sistémicos, outras alternativas estão a ser estudadas pelo setor”, indica.

“Uma delas é a instalação, no sul do País, do programa Sistema de Alerta para o controle da Mosca-das-Frutas. Ele abrange uma grande área envolvendo as regiões do sul do Rio Grande do Sul e parte da região produtora de frutas da Serra Gaúcha onde são cultivados pessegueiros. Iniciado há quase uma década, o projeto tem contribuído para definir o momento correto de aplicação dos inseticidas pelo produtor, melhorar o sistema de produção e obter um produto de melhor qualidade e mais limpo. Todas essas ações têm propiciado avanços significativos no manejo da mosca-das-frutas e estão inseridas no conceito atual de manejo de pragas em áreas amplas, que contemplam pragas de grande mobilidade”, conclui a Embrapa.

O artigo foi publicado originalmente em Vida Rural.


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