“Esta posição conjunta evidencia uma sintonia da maior relevância entre organizações de ambiente e agricultura, exprimindo um desacordo transversal contra uma medida errada e prejudicial para o território e para os agricultores”, declara o secretário-geral da CAP, Luís Mira.
Tomada de posição conjunta contra a Resolução do Conselho de Ministros nº123/2022, publicada ontem, a qual determina a transferência de atribuições dos serviços periféricos da administração direta e indireta do Estado para as CCDR, especialmente no que diz respeito às áreas governativas da conservação da natureza, das florestas e da agricultura.
O Documento foi enviada ao Primeiro-Ministro, ao Ministro do Ambiente e Ação Climática, à Ministra da Agricultura e Alimentação e à Ministra da Coesão Territorial.
“Exmo. Sr. Primeiro Ministro,
As organizações da sociedade civil abaixo-assinadas vêm por este meio demonstrar a sua profunda preocupação com a Resolução do Conselho de Ministros publicada no dia 14 de dezembro deste ano, que determina o início do processo de transferência e partilha de atribuições dos serviços periféricos da administração direta e indireta do Estado para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), especialmente no que diz respeito às áreas governativas da conservação da natureza, das florestas e da agricultura.
Ainda que, até ao presente momento, não haja informação pública mais detalhada sobre como se dará este processo, a decisão preocupa-nos pela ausência de justificação clara, rigorosa, compreensível e pela não consideração da necessidade de uma discussão transparente e participada com a sociedade civil, e pelas graves consequências que podem daqui vir a decorrer.
Na área da conservação da natureza e das florestas, esta transferência de competências vai significar o enfraquecimento do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) enquanto órgão central responsável pelas políticas de conservação e do seu papel de coordenação da gestão dos ativos ambientais. Quando as políticas de conservação da natureza são lideradas por um órgão nacional com Direções Regionais, tal garante não apenas o alinhamento necessário em todas as áreas do território, mas também um grau desejável de isenção e neutralidade. Ao delegar esta função às CCDR, as políticas de conservação ambiental passam a ser alvo de pressões e interesses de atores locais, o que pode colocar em causa a efetividade das mesmas. Cabe ainda salientar que as áreas protegidas são nacionais, visando a maioria delas também o cumprimento de obrigações internacionais, e portanto a sua gestão deve ser assegurada pelos órgãos nacionais ambientais responsáveis. Uma vez que as CCDRs não estão sob a tutela do Ministério do Ambiente e Ação Climática (MAAC), surgem ainda diversas dúvidas sobre quem seria o responsável pela alocação de recursos e orçamento, qual seria a hierarquia das tomadas de decisão entre ICNF, CCDR e Comissões de Cogestão, entre muitas outras questões aparentemente mal ponderadas.
Na área da agricultura, esta medida pode significar não apenas o desmantelamento do Ministério da Agricultura e da Alimentação (MAA), mas também o desaparecimento de diversas das suas valências, o que trará consequências graves aos agricultores e à agricultura familiar. Ao invés de dotar as Direções Regionais do MAA de recursos humanos e financeiros robustos, capazes de proporcionar uma gestão descentralizada eficiente, a solução que o governo propõe vai na contramão e coloca o mundo rural em risco.
O tempo é de urgência na ação relativamente ao restauro e proteção da natureza. Precisamos de proteger e restaurar o que resta dos nossos recursos naturais e não continuar a protelar a sua proteção com processos burocráticos de partilha de competências e duvidosos quanto aos seus benefícios para a natureza. A conservação da natureza deve ser uma prioridade de qualquer governo e por isso apelamos a V. Exª. para que se comprometa com este único objetivo, e que a ação do governo português seja rápida, eficiente, mostrando ambição e liderança na proteção da natureza e das pessoas.
Por todos os motivos referidos, as organizações apelam ao governo que reveja esta decisão e em conjunto com a sociedade civil tome ações concretas e imediatas com este único propósito: conservar e restaurar a natureza.
Com os melhores cumprimentos,
Entidades subscritoras:
ANP|WWF – Associação Natureza Portugal
FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade
GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente
LPN – Liga para a Proteção da Natureza
SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves
Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza
CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal
Artigo publicado originalmente em CAP.