Carlos Neves, produtor de leite, dirigente associativo e blogger, quer aproximar a Sociedade da Agricultura. Usa a palavra nos mais diversos fóruns para mostrar como cultiva a terra e cuida dos animais e divulgar boas práticas agrícolas, como as margens multifuncionais Operation Pollinator, que instalou numa parcela de milho para combater a erosão do solo.
Instalou uma margem multifuncional Operation Pollinator numa parcela de milho. O que o motivou? Que benefícios espera obter para a cultura e o ecossistema?
No ano passado, por causa de sucessivas cheias, no Outono, após a sementeira, tive um problema de erosão numa estreita faixa de terreno junto a um ribeiro e pensei instalar um prado permanente. Depois tomei conhecimento do Operation Pollinator e senti curiosidade em experimentar e ajudar a divulgar esta técnica. Parece-me interessante para cantos ou zonas de terreno com menor potencial produtivo. No meu caso, espero evitar a erosão. Vejo que os insetos, nomeadamente abelhas, estão a gostar. Não tenho expetativas em relação a aumento de produção do milho, porque não é fácil de avaliar, atendendo a outras variáveis, como o clima de cada ano.
Que impactos têm as alterações climáticas hoje na sua atividade como agricultor e produtor de leite? E que impactos podem ocorrer nos próximos 5 anos?
As culturas que fazemos aqui na região (milho na Primavera /Verão e erva; azevém, aveia, triticale, ervilhaca, trevos, etc, no Outono / Inverno) são menos sensíveis às alterações climáticas que outras produções agrícolas, mas períodos de temperaturas muito altas (que temos cada vez mais vezes) dificultam a cultura do milho em terrenos mais secos e com menos água de rega disponível. As vacas sofrem com o calor. Todos os produtores de leite estão a investir em sistemas de ventilação e arrefecimento dos animais. Basicamente significa mais despesa e menos produção.
«Espero evitar a erosão do solo com a margem Operation Pollinator. Os insetos, nomeadamente abelhas, estão a gostar», Carlos Neves, numa parcela de milho em Vila do Conde.
A Syngenta renovou o seu plano de compromissos para a sustentabilidade agrícola – “Good Growth Plan”-, focando a atenção em ajudar a reduzir a pegada de carbono da agricultura e em ajudar os agricultores a lidar com as alterações climáticas. De que forma poderá a Syngenta ajudar a sua exploração nestas temáticas?
A Syngenta poderá ajudar-nos divulgando informações e fornecendo produtos e tecnologias que sejam fruto da investigação, que sejam baseadas na evidência, para praticarmos agricultura de precisão, sendo mais eficientes e produzindo com menos recursos e com menos impacto no meio ambiente.
A Ministra da Agricultura, Maria do Céu Albuquerque, reconheceu em declarações recentes que “As vacas não deixaram de existir (durante o Estado de Emergência) e a poluição baixou”. Como produtor de leite, qual é a sua posição sobre o tema das emissões de metano dos bovinos?
No caso do carbono, cuja libertação causa efeito de estufa, nós agricultores temos de fazer a nossa parte, para reduzir emissões e aumentar o sequestro de carbono, mas não podemos deixar que os animalistas e vegans “sequestrem o debate” como desculpa para terminar com a criação de animais, nomeadamente das vacas. Em Portugal a agricultura representa cerca de 10% das emissões de gases com feito de estufa, os bovinos cerca de 5% (as vacas leiteiras talvez 2% e esse número tem vindo a baixar), mas o carbono libertado sob a forma de metano nos arrotos dos ruminantes não surge de geração espontânea, foi captado pelas plantas que cultivámos para alimentar as vacas. O metano tem um efeito de estufa muito superior ao CO2, mas degrada-se ao fim de 10 ou 12 anos. Aqui há um ciclo do carbono, ao contrário daquele que é libertado pelos setores dos transportes ou da energia e que são os setores responsáveis pela grande fatia das emissões. Enquanto a sociedade portuguesa debate se deve trocar o bife por couves ( e comida é um assunto que dá muitos clikes e likes, porque interessa a todos), os setores económicos com emissões dezenas de vezes superiores às vacas passam pela chuva sem se molhar…
A pandemia do coronavírus está a ter um impacto substancial na economia portuguesa e mundial. Quais os efeitos no setor do leite?
O primeiro impacto e que não podemos esquecer foi a corrida dos portugueses aos hipermercados para esgotaram as prateleiras de produtos lácteos. Isto prova que, para além das polémicas escritas ao telemóvel no sofá, na hora H, as pessoas sabem que comida é essencial e quais são os alimentos essenciais. Sinal que devemos ter uma produção estratégica de alimentos próximos do consumidor. O leite é um alimento completo, saudável e económico. Infelizmente, o encerramento de hotéis e restaurantes reduziu de forma abrupta o consumo de produtos de valor acrescentado, nomeadamente queijos. Para os pequenos ruminantes, cabras e ovelhas, foi brutal e algum leite foi deitado à terra sem hipótese de escoamento e transformação. Também o queijo de vaca sofreu e houve redução de preço em alguns compradores. Como isso aconteceu em toda a Europa, sobrou mais leite, o que pressiona os preços em baixa, mas nós em Portugal já temos o preço mais baixo da Europa há 10 anos e não temos almofada para sobreviver, se não houver um esforço da indústria e distribuição para valorizar melhor o leite ao produtor.
«Da PAC pós-2020 espero uma combinação de políticas de mercado e de apoios ao rendimento que não deixem desaparecer a produção de leite», Carlos Neves, agricultor e dirigente da APROLEP- Associação dos Produtores de Leite de Portugal
Perante os desafios – Covid, alterações climáticas, reduzir a pegada de carbono, preservar a biodiversidade, manter a rentabilidade da agricultura – que respostas espera da PAC pós-2020 e do futuro PDR?
Espero uma orientação positiva para uma agricultura mais eficiente, uma intensificação sustentável. Uma agricultura ecológica, com menos impacto ambiental e climático, mas fundamentada em investigação e evidência científica. Se isso tiver custos acrescidos na produção, que sejam repartidos por toda a cadeia de valor, que não sejam os do costume, os produtores, a assumir a despesa. Espero apoios para a instalação de jovens agricultores e para pequenos investimentos nas empresas agrícolas. Espero uma combinação de políticas de mercado e de apoios ao rendimento que não deixem desaparecer a produção de leite.
O Carlos é agricultor e blogger. Sente que com os seus artigos contribuem para mudar a imagem da agricultura junto da opinião pública?
Tornei-me blogger por sentir que os agricultores e os profissionais que os apoiam (veterinários, zootécnicos, agrónomos…) estão demasiado ocupados a produzir, comunicam pouco e enquanto isso outras pessoas, com imenso tempo livre e excelente capacidade de comunicar, que não conhecem a realidade e se baseiam em coisas que viram nas redes sociais, se ocupam ativamente a construir narrativas alternativas sobre a agricultura, umas vezes para venderem produtos alternativos, outras vezes para pedir donativos, muitas vezes com a melhor das intenções, mas com total desconhecimento da realidade. Há quem prefira ignorar, mas depois as mensagens negativas vão passando e quando abrimos os olhos ficamos pasmados com o que está escrito nos livros escolares sobre a agricultura e com as decisões do reitor da universidade de Coimbra. Entretanto os decisores políticos vão sendo pressionados e a maioria vai na onda conduzida por uma minoria barulhenta. Por isso é importante comunicar, que é pôr em “comum”, mostrar, na primeira mão, como cultivamos a terra e cuidamos dos animais e explicar as escolhas que fazemos. Antigamente toda a gente era agricultor, ou vizinho do agricultor, ou simplesmente tinha outras preocupações. Hoje o consumidor está longe do agricultor e quem está longe da vista fica longe do coração. O meu objetivo é encurtar essa distância, mas tenho consciência dos limites das minhas publicações ou de outros “agvogados” (advogados da agricultura). Por um lado, temos de trabalhar e não podemos ser ativistas a tempo inteiro, por outro lado, é sempre mais fácil deitar abaixo e criticar do que explicar e falar pela positiva. Mas, como tudo na vida, o caminho faz-se caminhando…
O artigo foi publicado originalmente em Syngenta.