A compra de carne pelo consumidor passou a ser uma escolha consciente. O consumidor escolhe a carne não só pelas suas características intrínsecas, mas essa escolha passou a ser concretizada por um prisma mais holístico. O consumidor quer saber se a carne que compra é proveniente de animais produzidos respeitando o bem-estar animal, que tipo de fontes alimentares foram utilizadas, como foi globalmente mitigada a pegada de carbono. Esta abordagem engloba também a necessidade de o produto ao ser consumido se enquadrar no espírito de vida com saúde e bem-estar. O consumidor vai mais longe e estende a sua escolha consciente a questões de natureza social.
O consumidor tem cada vez mais informação sobre os bens alimentares em geral. Relativamente à compra de carne, existe ainda um significativo desconhecimento, sobre que peças e que cortes existem em cada espécie ou categoria de talho e qual a melhor aptidão culinária na sua utilização.
Por outro lado, o consumidor é constantemente alvo da comunicação sobre os malefícios para a saúde do consumo de carne, em particular carnes vermelhas. Da mesma forma, são comunicados de forma insistente e sistemática diferentes tipos de dietas, nas quais as carnes vermelhas são erradicadas.
Assim, face a esta realidade, poderemos apresentar o conceito de comer menos carne e melhor carne, ou seja, carne proveniente de modos de produção em que o animal se encontra em equilíbrio com o meio em que é produzido. Contudo, a decisão sobre que carne comer, em que quantidade e de que proveniência, deve ter sempre por base o livre arbítrio de cada consumidor. Globalmente, a tendência é para valorizar processos de produção e de processamento que melhorem o valor nutricional e a segurança alimentar dos produtos.
A produção de carne de ovino em Portugal baseia-se em modos de produção sustentáveis, com recurso a técnicas de maneio consolidadas e favorecedoras da biodiversidade. Os animais beneficiam de um regime de produção ao ar livre, onde os rebanhos no seu movimento removem e fertilizam os solos, contribuindo para a sua preservação. A alimentação faz recurso de fontes alimentares endógenas, aproveitando pastagens equilibradas e de qualidade melhorada, que as planícies, o montado e as zonas serranas referenciam.
Desta equação resulta uma carne de ovino diferenciada e de características sui generis.
Portugal é um país de produtos alimentares diferenciados. Tem tradição e inovação no sector agro-alimentar e isso representa uma vantagem comercial competitiva. A carne de ovino tem estado afastada deste portefólio de produtos diferenciados. Uma das razões para tal é a inexistência de um fornecimento continuo de carne ovina nacional diferenciada, que permita fidelizar clientes, fora dos períodos de grande consumo, como são o Natal e a Páscoa.
Hoje, é assumida a necessidade de inverter essa tendência, por questões ambientais e sócio-económicas e de auto-suficiência alimentar, o que constitui uma oportunidade particular para o relançamento da produção e consumo de carne ovina. Por várias relações de causa-efeito, a produção de carne de ovino tem decrescido, na proporção em que o espaço de pastagens foi progressivamente sendo ocupado pela floresta. Por seu turno, a disponibilização de carcaças de borrego importadas da EU ou cortes de Países Terceiros, a preços mais competitivos que aqueles praticados no mercado interno, poderá ter igualmente contribuído para esta quebra.
Parte integrante da dieta mediterrânica, a carne de ovino é uma das carnes mais seletas, suculentas e com sabor e textura inconfundível. Apresenta elevado valor nutricional, devido ao seu conteúdo de proteínas de elevado valor biológico, sendo rica em vitaminas, potássio, zinco, fósforo e com um baixo teor de sódio.
A comunicação ao consumidor de forma afirmativa destas características organoléticas e do valor nutricional da carne de ovino vai criar a necessidade de a disponibilizar de forma regular ao consumidor e de a ter na carta dos restaurantes, por uma questão de prestígio.
O consumo de carne de ovino é secular na mesa dos portugueses, constituindo o seu consumo uma tradição. Pese embora, com menos apreciadores hoje em dia, decorrente da sua baixa disponibilização ao consumidor, a sua leveza e textura torna-a uma carne para apreciadores.
Esta carne apresenta elevada versatilidade de aptidões culinárias. Pode ser preparada no forno, na chapa, no carvão, guisada. Existe uma infinidade de formas para cozinhar e acompanhar a carne de ovino. Na cozinha tradicional portuguesa é utilizada na confeção culinária de uma diversidade de pratos que vão do Borrego Assado às múltiplas receitas de Ensopados, não podendo deixar de mencionar os Maranhos.
A dinamização do consumo da carne de ovino passa pelo desenvolvimento de apresentações que permitam a confeção de uma cozinha mais contemporânea, que pode ter por base a cozinha tradicional portuguesa ou uma cozinha de autor de contornos mais internacionais.
O corte tradicional de uma carcaça deborrego tem que ser revisitado. Este exercício tem que ser feito para a obtenção de cortes mais simples e rápidos de confecionar. Igualmente, há que acrescentar valor à carne de ovino com o desenvolvimento de produtos de valor acrescentado, igualmente fáceis de cozinhar.
A consistência da qualidade objetiva da carne de ovino só pode ser garantida através de um controlo integral de toda a fileira de produção ovina. A carne de ovino é a alternativa para todos aqueles que pretendem comer carne saborosa e saudável, produzida em equilíbrio com o meio ambiente.
Médico-Veterinário, Doutor em Ciências Veterinárias, professor universitário e consultor