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Carta aberta à RTP – Programa “Linha da Frente”, Reportagem “E Se Nós Falássemos”

Exmo. Senhor Presidente do Conselho Administração da RTP, Dr. Gonçalo Trigo de Morais de Albuquerque Reis

Exmo. Senhor Presidente do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Dr. Sebastião José Coutinho Póvoas

Assunto: Carta aberta à Radio Televisão Portuguesa – Programa “Linha da Frente”, Reportagem “E Se Nós Falássemos”

Lisboa, 8 de Março de 2021

Somos um grupo de membros atuais e ex-membros do ZootecnISA, Núcleo de Estudantes de Engenharia Zootécnica, do Instituto Superior de Agronomia e vimos por este meio manifestar o nosso profundo desagrado relativamente à reportagem realizada no passado dia 25 de fevereiro de 2021, no programa “Linha da Frente”, intitulada de “E Se Nós Falássemos”, com o suposto intuito de informar o público geral sobre a indústria pecuária nacional e as suas práticas relacionadas com o bem-estar animal.

Esta reportagem peca na sua conceção e exposição de informação, aliás, desinformação. Onde mostrou ser tendenciosa com interesse em angariar audiências e não mostrar factos. Factos verídicos, relacionados com as boas práticas que se utilizam nesta indústria, que são regulamentadas e que são a prioridade do produtor, pois um animal em mau estar não produz.

É de lamentar a quantidade de erros técnicos e factuais que se apresentam como afirmações a retratar a realidade, relevando um trabalho de pesquisa e recolha de informação descuidados e negligência por parte dos responsáveis. Apresentamos alguns, dos muitos, erros referidos e respetivos factos:

A prática da inseminação artificial em suínos fora do período do cio, é impossibilitada pela fisionomia do animal, sendo um processo inútil que resulta num prejuízo significativo para a empresa. É de referir que apresentar uma engenheira zootécnica não identificada a declarar tais atrocidades que refletem negligência técnica e uma violação da legislação em vigor no que concerne o bem-estar animal, não tem qualquer credibilidade para quem trabalha e tem conhecimento na área.

A castração dos machos, também descrita por esta senhora, representa de igual forma uma infração dos requisitos de bem-estar animal. De acordo com o Decreto-lei nº 135/2003, de 28 de junho, os criadores devem ponderar cuidadosamente a necessidade de castração e caso não possa ser evitada, deve ser levada a cabo em conformidade com a lei, por um operador treinado e competente ou um médico veterinário. Os machos podem ser castrados desde que os tecidos não sejam rasgados e com o menor sofrimento possível.

Citando o que é dito no minuto 29:27: “Se dos ovos das galinhas poedeiras nascerem pintos machos estes são imediatamente mortos, não são rentáveis, crescem mais devagar do que as fêmeas.” O Decreto-lei nº72-F/03, de 14 de abril, define “galinhas poedeiras” como aves da espécie Gallus gallus que tenham atingido a maturidade sexual e sido criadas para a produção de ovos não destinados à incubação, isto é, não geram crias. É importante distinguir a produção de ovos e a produção de carne. São áreas totalmente distintas dentro da produção de aves, logo a aptidão dos animais também difere. O caso de abate que é mencionado e, muito mal explicado pela locutora, corresponde à criação de frangas para postura, ou seja, para se tornarem galinhas poedeiras. Os machos gerados neste tipo de criação, não apresentam aptidão para produção de carne em comparação com os ditos frangos de carne, sendo permitido o seu abate até às 72 horas de vida. No entanto, já existem países dentro e fora da união europeia a proibir esta prática.

Todos os setores têm as suas deficiências e pontos a melhorar, o que promove o seu desenvolvimento e crescimento. Os exemplos que aqui apresentamos são os factos verídicos, sem qualquer intenção tendenciosa. Aconselhamos a leitura do Manual de Bem Estar Animal disponível no site da DGAV, que refuta vários pontos apresentados nestes 40 minutos e 26 segundos de reportagem.

A RTP, em horário nobre, ao invés de proporcionar aos espectadores um documentário de caráter didático, que explica o contexto pecuário na sua essência, criou um cenário sensacionalista, com a generalização de situações de exceção. Ora, estamos perante uma situação lamentável de um caso de manipulação da opinião pública através de desinformação e com recurso a demagogias animalistas, que se mantém disponível na plataforma on-line.

Manipularam a opinião pública ao apresentar declarações acerca de práticas de produção que são falsas e sem fundamento. Manipularam a opinião pública ao apresentar vídeos de situações, sem dúvida lamentáveis, mas que não representam a generalidade e cujas fontes são tendenciosas e sem garantias de autenticidade. Manipularam a opinião pública ao recorrer a omissões estratégicas e interferências nefastas de dados com o objetivo de associar um quadro dramático e de terror ao setor pecuário.

Estes fatores são extremamente deploráveis na medida em que refletem uma descredibilização total não só dos produtores que tanto se dedicam a esta atividade e aos seus animais, mas também a todos aqueles que estudam, investigam e trabalham em instituições prestigiadas de ensino superior visando uma melhoria contínua das boas práticas pecuárias, técnicas de maneio e, consequentemente, do bem-estar animal.

Atravessamos um panorama em que possuir cães de médio ou grande porte dentro de apartamentos com direito a duas caminhadas por dia, é aceite, mas a produção de porcos para alimento respeitando o animal e todas as condições necessárias ao seu bem-estar já é desumano.

Sejamos realistas, não é possível viver do ar, a população continua a aumentar e com isso a necessidade de alimento. Relembro que estamos em tempos de pandemia e o setor que não parou e que contribui de forma significativa para a economia nacional, foi o setor agropecuário. Que seja uma reflexão sobre a sua importância.

A solução para o planeta não é eliminar a produção animal, mas sim a alteração dos hábitos de consumo, fomentando dietas mais saudáveis e equilibradas e valorizando modos de produção mais sustentáveis. Esta valorização não parte só do governo e dos produtores, mas também do consumidor. Isso sim seria um bom conteúdo para uma reportagem, a sensibilização do público para um estilo de vida mais sustentável com hábitos de consumo preocupados em adquirir produtos nacionais e com a manutenção de espécies autóctones, um património nacional tão importante.

Esperamos que diante da manifestação pública desta indignação, sejam adotadas medidas para retificar o sucedido.

Gratos pela atenção,

Saudações Zootécnicas,

ZootecnISA (Núcleo de Estudantes de Engenharia Zootécnica Do instituto Superior de Agronomia)


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