Exmo. Senhor
Secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território,
Embora a Estratégia Nacional para as Florestas (ENF) [1] estabeleça para 2030 uma meta máxima de 812 mil hectares de plantações de eucalipto no território continental português, o facto é que o 6.º Inventário Florestal Nacional (IFN6) [2], decorrente de recolha de imagens realizada em 2015, apontava já para uma área continental de cerca de 845 mil hectares ocupados por esta espécie exótica. Ou seja, superior à meta da ENF em cerca de 33 mil hectares. Assim, estranhamos que o Governo esteja neste momento a preparar um diploma legal [3] [4] para fazer aumentar os limites máximos de área de plantações de eucalipto por município. O acréscimo global aponta para cerca de 37 mil hectares.
O Parlamento, na sequência dos grandes incêndios florestais de junho de 2017 e onde o eucalipto marcou fortíssima presença na área ardida em povoamentos florestais [5], proibiu novas arborizações com espécies do género Eucalyptus s.p. [6] (expansão de área), abrindo exceção às rearborizações com esta espécie exótica, quando a ocupação anterior fosse de povoamento puro ou misto dominante de eucalipto. Todavia, o Parlamento abriu ainda a porta a projetos de compensação. Ou seja, o Parlamento conferiu a possibilidade de reconversão de áreas de eucaliptal para espécies autóctones, agricultura e pastorícia, compensando com novas áreas de arborização com eucalipto noutras regiões do país.
Pressupõe-se assim que o aumento dos limites das áreas de eucalipto por concelho sirva para dar enquadramento a eventuais projetos de compensação. Será? Estranhamente, não há nenhum concelho do território continental português onde seja prevista contração de área para estas plantações. Nem sequer em municípios com presença de áreas protegidas, entre outras, da Rede Natura 2000, onde marquem presença plantações de eucalipto. Pior, há limites máximos que aumentam em concelhos limítrofes ou abrangidos pela Rede Nacional de Áreas Protegidas, como são os casos dos concelhos do Montijo (+561 ha) no Estuário do Tejo, de Aljezur (+585 ha) e de Odemira (+3.149 ha) no Sudoeste Alentejano, ou de Arcos de Valdevez (+ 329 ha) e Póvoa do Lanhoso (+ 303 ha), na envolvente ao Parque Nacional da Peneda Gerês.
Ainda pressupondo que os acréscimos nos limites de áreas máximas por concelho sirvam para acolher projetos de compensação, qual a transparência deste processo? Por agora, prima a opacidade. Mais! Quem financia os encargos dos resgates das “rentáveis” plantações de eucalipto para serem compensadas noutros locais? O erário público?
Como funciona o sistema de fiscalização para controle de eventuais plantações ilegais? Existem indicadores de desempenho do processo de fiscalização? Os acréscimos dos limites máximos servirão para dar cobertura a eventuais ilegalidades? É estranho o acréscimo de cerca de 37 mil hectares nos limites máximos de áreas plantadas por concelho, agora pretendida pelo Governo, quando as arborizações autorizadas ou validadas com eucalipto, no âmbito do regime jurídico aplicável, perfazem, no período de outubro de 2013 a final de 2018, altura em que passaram a ser proibidas, pouco mais de 11 mil hectares [7].
Quais os critérios que baseiam a proposta do Governo para aumento dos limites das áreas máximas destas plantações por município? Certo é que as (re)arborizações com eucalipto são historicamente autorizadas e validadas na ausência de critérios técnicos, financeiros, ambientais e sociais.
E qual tem sido a evolução histórica da gestão das plantações de eucalipto em Portugal? Cerca de 2/3 da área de eucaliptal no nosso país encontra-se ao abandono ou sob má gestão, a alimentar a propagação de incêndios [8], a proliferação de pragas e de doenças [9] e a potenciar a expansão destas áreas por regeneração natural [10]. O mercado da rolaria de eucalipto mantém o seu funcionamento em concorrência imperfeita, com promessas sucessivas de criação de plataformas de análise por parte de vários Governos, sem que haja efetividade nessas promessas. O setor do eucalipto em Portugal é conhecido pelas recorrentes portas giratórias entre as celuloses e o poder político.
Assim, as organizações signatárias repudiam a intenção do Governo em fazer aumentar os limites máximos das áreas de eucalipto por concelho e exigem a identificação e implementação de medidas de ajuste à meta máxima de eucaliptal em Portugal inscrita na lei para 2030.
Lisboa, 9 de novembro de 2021
As organizações signatárias:
ACRÉSCIMO – Associação de Promoção ao Investimento Florestal
CLIMÁXIMO
FAPAS, Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade
GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente
IRIS, Associação Nacional de Ambiente
LPN, Liga para a Proteção da Natureza
QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza
ZERO, Associação Sistema Terrestre Sustentáveis
Notas de enquadramento:
- A atualização da Estratégia Nacional para as Florestas (EFN) foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 6-B72015, de 4 de fevereiro: https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/66432466/details/maximized
- º Inventário Florestal Nacional (2015), dados e relatório em http://www2.icnf.pt/portal/florestas/ifn/ifn6
- Despacho de Publicitação para alteração das Portarias n.ºs 52/2019, 53/2019, 54/2019, 55/2019, 56/2019, 57/2019 e 58/2019, de 11 de fevereiro, que aprovaram, respetivamente, os programas regionais de ordenamento florestal de Lisboa e Vale do Tejo (PROF LVT), do Algarve (PROF ALG), do Alentejo (PROF ALT), do Centro Interior (PROF CI), do Centro Litoral (PROF CL), de Trás-os-Montes e Alto Douro (PROF TMAD)e de Entre Douro e Minho (PROF EDM): https://drive.google.com/file/d/1Fgk-BMJUI9MwSG3mhdOXRR2LxFkGGDD6/view?usp=sharing
- Projeto de Portaria, na versão submetida em agosto de 2021 a consulta: https://drive.google.com/file/d/1X-MSko1JCOaWTxQL9bbOygEuPl_sWY-o/view?usp=sharing
- Relatório da Comissão Técnica Independente aos incêndios de junho de 2017 (Quadro 4.2.): https://www.parlamento.pt/Documents/2017/Outubro/Relat%C3%B3rioCTI_VF%20.pdf
- Lei n.º 77/2017, de 17 de agosto, no seu Art.º 3.º, por aditamento ao Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19 de julho, do Art.º 3.º-A: https://dre.pt/pesquisa/-/search/108010873/details/maximized
- Indicadores do Regime Jurídico das Ações de Arborização e Rearborização, em abril de 2021: https://www.icnf.pt/api/file/doc/a4f4d6b4b5be40c4 (ver quadro 14).
- Taxa de presença de eucalipto na área ardida total (1996 a 2018, fonte: ICNF): https://drive.google.com/file/d/1_BGNTXMUcNnezMJ7s_VKPj9o7rBNFv8y/view?usp=sharing
- Pragas e doenças dos eucaliptos, por Carlos Valente, CELPA, 19 de dezembro de 2016: http://www.celpa.pt/melhoreucalipto/wp-content/uploads/2017/01/Apresenta%C3%A7%C3%B5es_Torres-Vedras _19_12_2016-C%C3%B3pia.pdf
- Tal como sugerido em Anjos et al. (2021), https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/48040/1/Anjos%2C%20A%20et%20al.%2C%202021.pdf