“Carta” e “Estatuto” da Agricultura Familiar Portuguesa – João Dinis

Na actualidade, há um debate já alargado acerca do que (ainda) é Agricultura Familiar e da sua importância, bem como dos “Direitos dos Camponeses”, neste caso no âmbito da própria ONU.

Ao longo das últimas décadas, é incontestável, muita da terra agrícola deixou de cumprir a sua função social de alimentar as Populações e foi apropriada, ilegítima e desumanamente, por grandes interesses económicos e financeiros.

As inovações científicas e tecnológicas, anunciadas como remédio para todos os males, não resolveram os problemas alimentares das Populações. Antes têm contribuído, lamentavelmente, para a eliminação de milhões de pequenas e médias explorações agrícolas, de tipo familiar, em todo o mundo.

Este “sistema”, qual “ceifeira globalizada”, e seus promotores, muito contribuem para a degradação de recursos naturais, de saberes e sabores tradicionais/regionais, que são propriedade colectiva, civilizacional, mas que têm sido espoliados, privatizados e sobre-explorados por alguns para (grande) proveito de menos ainda.

Para atalhar razões, convém clarificar que, seja lá a que pretexto for, não se venha a pretender incluir, em Agricultura Familiar, algumas “famílias” de grandes proprietários ou grandes empresas do agro-negócio propriedade de certas “famílias”, por exemplo, as explorações agro-industriais da Família Real Inglesa…

Aspectos há, por exemplo a produção (transformação-comercialização) de Bens Agro-Alimentares que têm a ver com a importância específica, mais marcante, das explorações agrícolas, agro-industriais-comerciais e agro-turísticas de pequena e média dimensões e impacto económico e social moderados a nível de cada uma de per si que não a nível global.

Sim, são necessários muitos e muitos milhares de pequenas e médias Explorações Agrícolas Familiares bem disseminadas pelos territórios rurais, a produzir Alimentos de boa qualidade alimentar, por exemplo, entre nós daqueles até agora incluídos na chamada “dieta mediterrânica”. Bens Alimentares a comercializar de preferência pelos seus Produtores Directos, ou suas organizações sócio-económicas, em Mercados Locais e de proximidade.

E a produzir ou a proteger, sim, Bens ou Serviços “públicos” como:- Ambiente e Recursos Naturais (genética, biodiversidade, solos e águas, combate a alterações climáticas, retenção de carbonos da atmosfera, raças e espécies autóctones), Paisagem, Coesão Territorial, Mundo Rural, de entre outros, para servir a Sociedade em geral.

Passar ao concreto o “Estatuto da Agricultura Familiar Portuguesa”.

Em Novembro de 2014 – decorria ainda o “Ano Internacional da Agricultura Familiar” sob o alto patrocínio da ONU –  a  CNA aprovou, no seu VII Congresso,  a “Carta da Agricultura Familiar Portuguesa” – onde caracterizou e valorizou este tipo de Agricultura – e propôs para debate público e institucional o “Estatuto da Agricultura Familiar Portuguesa”.  Neste último caso, com o objectivo de vir a consagrar, oficial e publicamente, a valorização mais concreta da actividade e das características produtivas e sociais da Agricultura Familiar por forma a compensar, enquanto complemento de rendimentos, os Agricultores e Agricultoras que nela se envolvem, também pelos tais Bens e Serviços “públicos” que proporcionam à Sociedade em geral.

Permitimo-nos então a relembrar alguns extractos:

– “O Estatuto de Agricultor Familiar Portuguesa confere o direito ao reconhecimento pelo Estado, de uma consideração específica, nomeadamente:

  1. O direito a um regime de segurança social e a um regime fiscal próprios, que tenham em conta o rendimento efectivo da actividade agrícola e em que sejam valorizados os serviços públicos prestados, entre outros, na conservação da natureza, na luta contra a desertificação, na coesão territorial, na protecção do meio ambiente e na biodiversidade;
  2. O direito a aceder a linhas de crédito e a seguros especificamente destinadas à Agricultura Familiar, assim como programas de apoio ao investimento na actividade agrícola e nas actividades complementares;
  3. O direito de aceder, prioritariamente, a terras para redimensionamento e melhoria de viabilidade económica da exploração agrícola;
  4. O direito prioritário ao acesso a mercados de proximidade;

e . O direito ao abastecimento prioritário de todas as instituições públicas e da economia social da região onde se insere a exploração familiar”.

São, estes, exemplos dos “benefícios” a que deve ter direito a Agricultura Familiar Portuguesa e de que, em concreto, devem beneficiar, desde logo em Portugal, as Agricultoras e os Agricultores “Familiares”.

O debate está lançado e a todos os níveis.

A  CNA – que tomou a iniciativa de preparar e de lançar esse debate – continua disposta e disponível para o alargar a Entidades, a Personalidades,  a Instituições  e a Órgãos de Soberania.

Mas também não é “só” para conversar sobre tamanhos temas… Dialogar, sim, mas com resultados palpáveis, “preto no branco”. Sim, que a conversa podendo ser “alimento para o espírito”, todavia, só por si, não alimenta o corpo…

E para trabalharmos e produzirmos, amanhã, precisamos comer, hoje !…

E precisamos lançar, já hoje, novas sementes (que não OGM…) à terra-mãe para produzirmos e para podermos reduzir (entre outros) o défice da balança agro-alimentar de pagamentos do nosso País com o exterior e o défice alimentar da nossa População, défices que são brutais neste momento do tempo.

Em defesa e pela promoção da Agricultura Familiar !

Pelo “Estatuto da Agricultura Familiar Portuguesa” !

Mãos à terra e mãos à obra !

João Dinis

Dirigente da CNA


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