No passado dia 20 de Outubro, o Parlamento Europeu adoptou uma Resolução – P9_TA(2021)0425 – sobre a Estratégia do Prado ao Prato*. É um texto relativamente grande – tem 49 páginas e 144 parágrafos– e procura ser abrangente, tocando em assuntos variados como a biodiversidade, a desflorestação, o uso de pesticidas, o papel dos agricultores, a obesidade, as doenças zoonóticas, a água e a rotulagem, entre tantos outros. É importante recordar que as resoluções do PE, em particular as que decorrem de relatórios de iniciativa, como é o caso desta, são instrumentos não-vinculativos mas que se revestem de importância política assinalável e, muitas vezes, dão impulso ou apoio às acções de outras instituições europeias. Não são, por isso, meras declarações sem consequências.
Vale a pena perder algum tempo com a sua leitura e não desesperar quando alguns dos seus objectivos parecem mais contraditórios ou dificilmente conciliáveis. Dito de outro modo, o seu conteúdo não é uniforme nem facilmente inteligível e a sua arrumação não é a mais lógica porque uma resolução deste teor precisa de ser apoiada por um número amplo de deputados e dos respectivos grupos. Para a construção dessa maioria, a redacção tenderá a acomodar o máximo de sensibilidades possíveis, a acolher prioridades diferentes e a procurar integrar interessentes divergentes.
Apesar dos mais de quatrocentos e cinquenta votos a favor, o texto da Resolução não deixa de sublinhar, logo no seu segundo parágrafo, quão importantes são as avaliações de impacto pormenorizadas e de se congratular com o compromisso da Comissão Europeia em realizá-las. Este sublinhado e este compromisso poderiam ser desnecessários ante a complexidade e relevância dos temas abrangidos pela Estratégia que impõem à Comissão aquele tipo de exercícios prospectivos, mas o Parlamento optou por explicitá-los. Face às várias incógnitas que ainda subsistem e às dúvidas quanto à exequibilidade do que é proposto, a chamada de atenção justifica-se plenamente.
Sobretudo se a cruzarmos com o relatório técnico Modelling environmental and climate ambition in the agricultural sector with the CAPRI model elaborado para o Joint Research Centre, serviço científico interno da Comissão, que aponta para quebras significativas de produção agrícola e de rendimento dos agricultores, bem como para aumentos de custos relevantes, por exemplo, com práticas alternativas ao uso de pesticidas. Este relatório, que já motivou críticas pela fraca publicitação de que foi objecto, integra uma série de ressalvas, em particular quanto à circunstância de ele próprio não ser uma avaliação de impacto e de não se debruçar sobre todas as políticas que afectam a transição pretendida pela Estratégia do Prado ao Prato (e a da Biodiversidade).
A própria Resolução considera que «a transição da agricultura europeia para práticas mais sustentáveis e para a circularidade exigirá investimentos substanciais, com o acesso adequado ao financiamento como condição prévia», salientando «que a garantia de um rendimento estável e justo para os produtores primários é crucial para permitir a transição do sistema alimentar para uma agricultura mais sustentável e circular, para combater as práticas comerciais desleais e para gerir os riscos e as crises. Na mesma linha, considera «que o orçamento afectado à realização das ambições do Pacto Ecológico Europeu e do Mecanismo para uma Transição Justa é insuficiente para responder de forma socialmente sustentável às consequências da transformação esperada».
Apesar destas reservas, e de outras que permeiam o texto, o Parlamento Europeu congratulou-se com as ambições e os objectivos da Estratégia do prado ao prato, tendo insistido por diversas vezes no carácter vinculativo das metas a estabelecer no seu âmbito. Resta saber quais serão e aguardar pelas avaliações de impacto. Diz o povo que cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Espera-se que o Parlamento não tenha confundido a prudência com bilhetes de lotaria.
(*) Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, “Estratégia do Prado ao Prato para um sistema alimentar justo, saudável e respeitador do ambiente”, COM(2020) 381, 20 de Maio de 2020.
Consultor da Abreu Advogados
O autor escreve segundo a antiga ortografia.
Tristezas não pagam dívidas… e carinho também não – João Vacas