Cavem aqui, não cavem daqui mas vão praxar para outro lado! – Carlos Neves

1. Cavem aqui, não cavem daqui!

No início de Março, o Presidente da República desafiou os jovens portugueses a tentarem uma “experiência na agricultura” como alternativa ao desemprego e à emigração, salientando que a agricultura pode mesmo ajudar Portugal a ter uma recuperação económica mais rápida. “Precisamos de convencer mais jovens que esta pode ser uma atividade rentável e que em lugar de irem para o estrangeiro para tentarem encontrar um emprego, podem, eventualmente, beneficiando dos apoios que agora serão reforçados (…), fazer uma experiência na agricultura” (…) O presidente mostrou-se ainda confiante de que o setor pode ajudar a “reduzir o endividamento” do País e ser uma mais-valia para aumentar as exportações.

No seguimento desta notícia da agência lusa veiculada por vários jornais, o “Correio da Manhã” colocou uma sondagem on-line: Concorda com as declarações de Cavaco? Apenas 28% dos leitores concordaram, a opinião dos restantes 72% estendeu-se pelas caixas de comentários dos vários jornais que me escuso de reproduzir e comentar, mas que, com naturais desvios de uma sondagem profissional, revelam que o “povo” não está convencido da “onda agrícola” que recentemente foi adotada pelas nossas elites. Elites que também estranharam quando o Presidente falou de agricultura no discurso do 10 de Junho, mas que agora já se converteram. Por exemplo, os banqueiros já dizem que não querem emprestar mais dinheiro para apartamentos, agora quem apoiar o investimento na agricultura. Pelo contrário, para o povo, pelo menos para o que opina nas redes sociais e caixas de comentários, a agricultura ainda não está na moda. Esse é o povo que preferiu trocar a agricultura pelo trabalho das 9 às 5, mesmo que a receber a miséria do salário mínimo; Que mandou os filhos estudar para fugir da agricultura e que procura ainda hoje um emprego longe do trabalho duro da “lavoura”. Sim, a agricultura foi escravatura, foi dura, mal paga, desvalorizada. Ainda é, por vezes. Mas o progresso trouxe ao agricultor qualidade de vida que tirou a muitos setores, a começar pelos funcionários públicos. Portanto, não tenham medo que os vossos filhos ou netos avancem para empresários agrícolas: o sucesso é possível; Não tenham vergonha que sejam trabalhadores agrícolas: podem ser bem pagos para fazer um trabalho útil e honrado.

2. Vão praxar para outro lado!

Ouvi na TSF uma reportagem sobre os serviços da proteção civil de uma Câmara do Algarve (talvez Loulé, não fixei) que percorriam os montes alertando os habitantes para limpar o terreno em volta das casas de modo a prevenir os incêndios de verão. “E dinhêro”? – Foi a resposta em jeito de pergunta, no doce sotaque algarvio de uma idosa com 98 anos. A magra reforma não dava para pagar a limpeza do mato. Ainda cuidava das favas na horta mas já não tinha forças para cortar mato.

A pergunta ficou sem resposta e o noticiário continuou com outras desgraças do mundo mas eu lembrei-me da reportagem da TVI que passara no dia anterior sobre as vítimas da praia do Meco e da “alegada praxe” que a provocou. E das outras notícias que passaram sobre praxes mais ou menos violentas, mais ou menos humilhantes ou absurdas, com mais ou menos rebolar no estrume (praxes de agronomia) mas alegadamente “integradoras”. Pois é. Acabou-se com a “tropa” e afinal a malta gosta de sofrer.

Adiante. Liguei as duas notícias. A estudantada quer então integrar-se, sofrer e viver experiências radicais? Deixemos então a justiça (?) tratar dos alegados crimes que os jornalistas vão dissecando em reportagens regulares servidas à hora da novela e pensemos nas praxes do próximo ano, para não voltar a chorar sobre o leite derramado.

Proponho o seguinte: Uma comissão composta pelos “Doutores”, “Duxes”, mais os “honoris-dux”, “veteranos”, etc, vai até à câmara municipal ou outro local equivalente (bombeiros?) e pergunta onde há habitações em risco de incêndio a precisar de limpeza. Depois, penduram as capas e batina, vestem o fato-macaco, pegam numa enxada (a proteção civil ou os bombeiros podem emprestar e supervisionar), sobem à serras com os caloiros e limpam alguma coisa. Pode ser um dia por semana. Pode ser só uma semana. Pode ser só um dia por ano. Pode ser só uma hora. Experimentem, vão cansar-se mas sentir-se bem por fazer alguma coisa útil numa “experiência radical”.

Era isso que eu queria dizer às comissões de praxe: Em vez de brincarem às máfias para organizarem humilhações que colocam em risco de vila a caloirada, organizem-se para fazer alguma coisa útil. Poupam-se vidas na praia no inverno e vidas na serra no Verão. Aproveitem a ideia e desculpem lá se estou azedo, mas há coisas que revoltam.

PS1 – Em caso de alergia ao pólen ou poeiras também se podem fazer coisas úteis na cidade.

PS2 – Ajudar nas limpezas não tem de ser exclusivo de praxados e/ou esperar pelo próximo ano letivo. Quem for capaz de se organizar para ajudar, avance!

Carlos Neves

Agricultura 2020 – Organizações 2.0 – Carlos Neves


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