Transposição para o direito interno de Diretiva europeia reforça a construção de um melhor equilíbrio negocial ao longo da cadeia de abastecimento. Diretiva focada no agroalimentar permite também melhorar a proteção de empresas dos setores não-alimentares. Processo de transposição realça a importância da participação de todas as entidades representativas dos vários elos da cadeia.
A Centromarca – Associação Portuguesa de Empresas de Produtos de Marca aplaude o Decreto-Lei n.º 76/2021, publicado nesta sexta-feira em Diário da República, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2019/633, relativa a práticas comerciais desleais, vulgarmente designada como Diretiva UTP (do inglês, unfair trading practices).
O novo diploma introduz alterações ao Decreto-Lei n.º 118/2010, que define prazos de pagamento máximos para efeitos de pagamento de bens alimentares e, muito especialmente, ao Decreto-Lei n.º 166/2013 que aprova o regime aplicável às práticas individuais restritivas do comércio (PIRC), o qual vem acolher a grande maioria das disposições da referida Diretiva.
Esta Diretiva, aquando da sua aprovação em Bruxelas, foi alvo de uma ampla discussão e escrutínio, acabando por se fixar exclusivamente na esfera agroalimentar. É, para além disso, um diploma que estabelece um conjunto mínimo de disposições de transposição obrigatória pelos 27 Estados-membros, mas permitindo que cada um tenha liberdade de manter legislações ou legislar de modo mais amplo e favorável (aos valores em causa) na respetiva adaptação ao direito interno.
Portugal possui, desde 2013, um quadro legal mais alargado e ambicioso do que o da própria Diretiva, pelo que o processo de transposição – desenvolvido no seio da PARCA – Plataforma de Acompanhamento das Relação na Cadeia Agroalimentar – foi especialmente cuidadoso, considerando a inclusão na lei nacional das disposições que ainda não a integravam e, em simultâneo, garantindo que não existiria qualquer redução do nível de proteção conferido pelo quadro legal atualmente em vigor e que resulta de um considerável esforço do legislador e das entidades envolvidas na prossecução de um modelo legislativo cada vez mais autónomo e completo.
“Saudamos o Governo e, em especial, os Ministérios da Economia e Agricultura, pela sensibilidade e cuidado colocados neste processo de transposição, mantendo Portugal no grupo de países europeus que dá especial atenção à necessidade de combate às práticas comerciais abusivas e ao desequilíbrio negocial ao longo da cadeia de abastecimento alimentar e não-alimentar”, afirma Nuno Fernandes Thomaz, presidente da Centromarca.
A transposição é feita através da alteração de dois diplomas nacionais pré-existentes: o decreto-lei das chamadas PIRC, e aquele relacionado com os prazos de pagamento no setor alimentar. A transposição é levada a cabo em total respeito pelo espírito da Diretiva, e adota dois racionais distintos: de aplicação homogénea e simplificada no caso das PIRC, e de aplicação mais densa e complexa no caso dos prazos de pagamento.
“Como referimos às entidades competentes ao longo do processo de preparação da transposição da Diretiva, compreendemos a opção adotada para o diploma dos prazos de pagamento, até pelo quadro atual de dificuldades causadas pela pandemia em setores como o da restauração, mas entendemos que ulteriormente se deve avançar para uma aplicação ainda mais homogénea e simples destas regras a todas as empresas do grande consumo, independentemente do setor em que operem e da respetiva dimensão”, acrescenta o Presidente da Centromarca.
Mesmo tratando-se de um processo de afinação e melhoramento do quadro legal atual, a versão agora revista dos diplomas reforça a proteção das empresas, alimentares e não alimentares, em matérias fundamentais como as da utilização ou divulgação ilegal de segredos comerciais, da retaliação comercial contra os fornecedores, ou da proibição de penalização dos fornecedores em situações de dificuldade de entrega de encomendas desproporcionadas.
Além disso, alarga a todas as empresas do grande consumo, independentemente da sua dimensão, a proibição de imposição de pagamentos pelo comprador ao fornecedor, por exemplo, como condição para iniciar uma relação comercial ou para a introdução ou reintrodução de produtos, como contribuição para a abertura ou remodelação de estabelecimentos ou como compensação pela não concretização de expectativas do comprador quanto ao volume ou valor das vendas.
Finalmente, a legislação PIRC recebe agora da Diretiva um alargado conjunto de proibições – absolutas, por um lado, ou ultrapassáveis, por outro, em virtude de eventual disposição negocial consensualizada e expressamente contratualizada – de práticas negociais especificamente no quadro dos contratos de aprovisionamento no setor agroalimentar.
No caso do diploma dos Prazos de Pagamento, e sem prejuízo de se considerar que haverá espaço para maior equilíbrio em futuras revisões do diploma, a proteção é aplicável a fornecedores do setor agroalimentar que se encontrem num patamar de faturação anual inferior ao do comprador, com predefinição de patamares sucessivos de proteção e limite nas empresas com um volume de 350 milhões de euros, realizados no território da União Europeia e estabelece prazos, em regra, perentórios de 30 dias para os produtos considerados perecíveis e de 60 dias para os restantes.
“Esta legislação é, sem dúvida, mais um passo de um processo, que se iniciou em 2013, de melhoramento das relações entre fornecedores e distribuidores e de combate a práticas comerciais desleais e abusivas, muitas delas aberrantes e anacrónicas. E é também um sinal de maturidade numa área muito importante da nossa economia, onde às naturais tensões do mercado, ainda mais empoladas pelas dificuldades que atravessamos, tem sido possível contrapor e construir um diálogo institucional, envolvendo também o próprio Governo, que gera resultados de que nos podemos orgulhar como empresas e como país”, conclui Nuno Fernandes Thomaz.