CiB reage às estratégias da CE: Medidas colocam em risco a produção e a competitividade agrícola da UE

CiB reage às estratégias “Do Prado ao Prato” e “Biodiversidade 2030” 

A Comissão Europeia (CE) apresentou, na semana passada, a “Estratégia Do Prado ao Prato” (Farm to Fork ou F2F) e a “Estratégia para a Biodiversidade 2030” (EU Biodiversity Strategy for 2030). Em linhas gerais, na “Estratégia Do Prado ao Prato”, a CE pretende tornar mais sustentável toda a cadeia alimentar nos países da União Europeia, através de ações que permitam “reduzir a pegada ambiental e climática do Setor Agroalimentar da UE e reforçar a sua resiliência, protegendo a saúde dos consumidores e garantindo os meios de subsistência dos agentes económicos”. Na Estratégia para a Biodiversidade 2030, a CE pretende “contrariar os efeitos de perda de biodiversidade, como o uso insustentável do solo e do mar, a sobre-exploração dos recursos naturais, a contaminação e as espécies exóticas invasoras. Outro dos objetivos é prevenir e reforçar a resistência a pandemias futuras e trazer oportunidades de negócio e investimento para a recuperação da economia da UE”. 

A Investigação e Inovação são referidas, em ambos os documentos, como tendo um papel importante. Na Estratégia Do Prado ao Prato, reconhece-se que “as novas tecnologias, incluindo a biotecnologia e o desenvolvimento de produtos de base biológica, podem desempenhar um papel no aumento da sustentabilidade, desde que sejam seguras para os consumidores e para o meio ambiente, trazendo benefícios para a sociedade como um todo. Também podem acelerar o processo de redução da dependência de pesticidas”.

Neste sentido, e em resposta ao pedido dos Estados-Membros, “a Comissão está a realizar um estudo que analisará o potencial das novas técnicas genómicas para melhorar a sustentabilidade ao longo da cadeia de abastecimento alimentar.” O CiB espera que esta visão seja levada à prática e que as decisões políticas sejam consentâneas com o uso seguro e com o conhecimento científico atual dos produtos da biotecnologia, assegurando a preocupação de dar aos agricultores a liberdade de escolher as tecnologias que melhor se adequarão à sua exploração.

Entre as muitas medidas propostas na “Estratégia Do Prado ao Prato”, a “redução em 50% do uso e risco dos produtos fitofarmacêuticos”, a redução em 20%, no mínimo, no uso de fertilizantes”, “a redução em 50% das vendas dos antimicrobianos utilizados na pecuária e na aquacultura” e aumentar as terras agrícolas com produção biológica dos atuais 8% para 25%” são as primeiras grandes ambições para 2030. 

Tudo muito certo, não se levantasse uma questão fundamental: é exequível para os produtores nacionais implementarem todas as medidas propostas? A concretização das metas e grandes objetivos têm de ter um orçamento adequado à altura das ambições. Caso contrário, estaremos perante uma estratégia completamente irrealista, até porque a reforma da PAC terá de incorporar necessariamente estas metas e ambições, desde logo nos Planos Estratégicos dos Estados-membros.

Sem rodeios, a resposta é Não. Sem grandes apoios financeiros não será exequível. E não se trata sequer de apenas pedir apoios. As exigências da Estratégia do “Prado para o Prato” são muito grandes e porquê? Porque os produtores nacionais terão que produzir o mesmo mas com menos e sem ferramentas alternativas às que a Estratégia lhes retira, agravado pelas novas ameaças emergentes de pragas e doenças ainda sem soluções no seu combate.

Preocupado com o futuro do setor agrícola nacional, o CiB-Centro de Informação de Biotecnologia levanta sérias questões a que a “Estratégia Do Prado ao Prato” não dá resposta e que podem colocar em risco a produção de alimentos, não só em Portugal como na União Europeia e podem levar a uma perda de competitividade nas produções e da importância da atividade agrícola e agroalimentar, com o abandono das zonas rurais. Isto, com a agravante de que assistimos a fenómenos imparáveis como a globalização e o aumento da população mundial. Perguntamos: “Qual é o papel da União Europeia nos sistemas de abastecimento à escala global? Como garantir que as metas vão ser atingidas nos nossos principais parceiros e concorrentes nos mercados internacionais e uma equidade nas regras de importação? Seremos capazes de impor taxas para os produtos importados desses países, sem ter em conta as regras da OMC-Organização Mundial do Comércio? Até porque, para além do peso das exportações, que continuarão a ser essenciais, importamos muitas matérias-primas de Países Terceiros. 

Como grandes linhas para atingir os objetivos da “Estratégia para a Biodiversidade 2030”, a CE propõe: “regenerar os rios e os ecossistemas degradados”, “melhorar a saúde das espécies e dos habitats protegidos da UE”, “devolver polinizadores às terras agrícolas”, “reduzir a contaminação”, “tornar as cidades mais ecológicas”, “aumentar a agricultura biológica e outras práticas agrícolas respeitosas da biodiversidade” e “melhorar a saúde das florestas na UE”. E como se propõe a CE concretizar estes objetivos? Em concreto, através da “conversão, no mínimo, de 30% das terras e mares da Europa em zonas protegidas administradas com eficácia e da “devolução em mais de 10% da superfície agrícola de elementos paisagísticos muito variados”. 

O problema é que as estratégias apresentadas são ambiciosas e muito baseadas em metas e não em caminhos, que se não forem acompanhadas da preocupação de que todos, os que do sector agrícola vivem, mantenham ou melhorem os seus rendimentos, poderão ter um impacto deveras negativo no mundo rural dos países e muito particularmente de Portugal. Tal obrigará a um êxodo rural maior para as grandes cidades, acentuando, ainda mais, a degradação dos ecossistemas. Para os agricultores em geral, e de Portugal em especial, as linhas gerais apresentadas geram alguma preocupação, porque “reduzir o uso de fitofármacos em 50% e dos fertilizantes em, pelo menos, 20%”, sem alternativas viáveis para os substituir, pode comprometer, em muito, a competitividade das explorações agrícolas europeias e portuguesas, que competem com produtos vindos de países terceiros, onde os produtores não enfrentam iguais condicionantes e exigências. Produtos importados são produzidos mediante regras e recurso a fitofármacos não estão autorizados na EU. 

De lembrar que, nos últimos anos, os agricultores já viram reduzido o número de substâncias ativas para controle de pragas, doenças e infestantes, comprometendo o seu nível de produção e a possibilidade da tão necessária diversificação de culturas, tendo, no entanto, respondido, de forma eficaz, às exigências de um uso mais profissional e sustentável de fitofármacos e fertilizantes – com formação profissional obrigatória para todos os aplicadores, mediante a implementação de Boas Praticas de na aplicação de fitofármacos, no controlo apertado de equipamentos de aplicação e do uso de fitofármacos, entre outos, o que lhes permitiu fornecer produtos seguros, suficientes e com qualidade reconhecida a nível mundial. 

É importante a Comissão Europeia não menorizar que, para os agricultores europeus, a disponibilidade ou não de uma ferramenta para proteger as suas culturas pode fazer toda a diferença em termos económicos. 

Aspetos em falta na Estratégia são também os procedimentos de análise e autorização baseados na ciência, que deveriam ser mais implementados. Se o fossem, provavelmente a CE concluiria que muitos fitofármacos não teriam de ser retirados do mercado, sobretudo os mais essenciais para a produção agrícola. 

Se a União Europeia reduzir a sua capacidade produtiva, o sector agrícola não conseguirá enfrentar uma procura crescente por alimentos, forragens e produção não alimentar. O que levanta mais uma questão: As medidas propostas não contrariam as necessidades de abastecimento na União Europeia? Contrariam. Quadruplicar a área da UE em agricultura biológica” – menos produtiva do que a agricultura convencional em mais de 30% – “converter, no mínimo, 30% das terras e mares da Europa em zonas protegidas administradas com eficácia – por quem? E devolver em mais de 10% da superfície agrícola elementos paisagísticos muito variados – são medidas que retirarão área para produção agrícola”, levando-nos a pensar que a UE verá comprometido o seu objetivo de garantir uma maior autossuficiência do espaço europeu em alimentos. Modos de produção menos produtivos, uma agricultura convencional com menos ferramentas para produzir na mesma medida de hoje, e menos área dedicada à agricultura só poderão ter como consequência uma redução na capacidade exportadora da agricultura da União Europeia, e, ainda, um aumento na sua dependência do exterior com o consequente aumento do risco de insegurança alimentar. 

De resto, os agricultores têm vindo a implementar, nas suas explorações, práticas mais sustentáveis, bem como uma crescente prestação de serviços aos ecossistemas. Não será por acaso que as normas de segurança alimentar da UE estão entre as mais altas do mundo. A agricultura e a agroindústria europeias já têm vindo a apostar nesta estratégia, preocupados com as emissões dos GEE, o bem-estar animal, a sustentabilidade, a eficiência da utilização de recursos. Ou seja, nada disto é novo e disso são exemplo os inúmeros Centros de Competência e a partilha de projetos que envolvem as empresas, universidades e investigação. A preocupação com os consumidores também tem promovido diferentes tipos de oferta, bem como e a autorregulação, porque queremos ter sistemas de produção e de consumo sustentáveis. 

A UE deveria estar preocupada, a todo o momento, em aumentar a competitividade da sua agricultura e não em sobrecarregá-la com exigências, monetariamente dispendiosas e sem alternativas viáveis, sem ter a certeza do exato impacto que as suas intenções podem ter no sector. Também, não deverão ser os agricultores os únicos a suportar os custos com uma maior preocupação ambiental e climática na UE. 

A CE, ao defender, justamente, no seu documento, que os consumidores devem ter acesso a dietas “sãs”, deverá ter consciência de que a escolha do que é uma dieta saudável se deve basear em recomendações fundamentadas na ciência e não em modas ou agendas comerciais, que, em muito, podem prejudicar o rendimento das explorações agrícolas, ao inviabilizar, sem justificação séria, as reduzidas alternativas que muitas explorações têm em Portugal.

Para concluir, se alguma lição pode ser retirada da crise que enfrentamos com a COVID-19 é que a UE não pode arriscar-se a não ter alimentos numa outra crise futura. Porque, na próxima crise, poderemos não ter alimentos suficientes. As metas e ambições necessitam de tempo, de harmonização à escala global, de investimento em novas tecnologias e, sobretudo, de um orçamento adequado para o processo de transição. 

Gabriela Cruz, produtora, associada do CiB 

Jaime Piçarra, Presidente da Mesa da Assembleia Geral do CiB 


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