À medida que as migrações motivadas pelo clima se intensificam, há uma urgência em esclarecer a definição de “refugiados climáticos” e colocar em prática um mecanismo internacional que os proteja.
Oactivista ugandês Nyombi Morris viajou para Sharm el-Sheikh com a esperança de partilhar a sua história de migrante climático na Cimeira do Clima das Nações Unidas, que decorre até 18 de Novembro no Egipto. “Nós merecemos atenção”, diz ao PÚBLICO o jovem que, em 2008, ficou desalojado após as cheias que destruíram cerca de 400 casas no distrito de Butalela, no Uganda. Aos dez anos, Morris foi obrigado a mudar-se com a família para a capital, Kampala. “Foi assim que descobri a crise climática”
Há um consenso quando se fala de movimentos migratórios causados pela crise climática: o número de pessoas que terão de abandonar as próprias casas nas próximas décadas tende a aumentar. O mais recente relatório do Internal Displacement Monitoring Center (IDMC) mostra que, só no ano passado, 22,3 milhões de pessoas se deslocaram em resposta a desastres associados ao clima. A média anual registada entre 2008 e 2020 era de cerca 21 milhões. A família Morris faz parte desta estatística.
“As pessoas em todo o mundo já estão a ser deslocadas por causa da emergência climática. Desde famílias a fugir da seca na Somália a comunidades inteiras empurradas pelas cheias no Paquistão, está muito claro que, na prática, a era dos deslocamentos climáticos já começou”, afirma ao PÚBLICO Steve Trent, director da organização não-governamental britânica Fundação para a Justiça Ambiental (EJF, na sigla inglesa).
Como tantos outros activistas na área do clima e dos direitos humanos, Steve Trent acredita que, se falharmos “na protecção e no apoio aos refugiados climáticos”, estaremos a abrir caminho para uma “crise humanitária crescente”. Isto além de erodir “as conquistas feitas” até hoje em matéria de direitos humanos e de fracassar nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ONU).
O peso legal da palavra “refugiado”
Se há um consenso sobre a intensificação das migrações climáticas, o mesmo não acontece na designação das pessoas envolvidas neste fenómeno. Steve Trent usa sempre a expressão “refugiados climáticos”, mesmo sabendo que esta terminologia não é unânime. Trata-se de uma escolha informada: a insistência no termo sublinha a urgência de colmatar, legalmente, as lacunas de protecção a este grupo vulnerável.
No domínio do direito internacional, o termo “refugiado” está associado a um instrumento legal específico: a Convenção sobre o Estatuto de Refugiado de 1951, cujo protocolo foi revisto em 1967. Uma pessoa que é alvo de perseguição política ou racial, por exemplo, e que pede abrigo a uma das cerca de 150 nações signatárias, pode passar a beneficiar de direitos específicos se lhe for concedido o estatuto de refugiada.
Contudo, aqueles que migram porque perderam tudo após uma cheia colossal, por exemplo, não estão cobertos por este acordo celebrado há mais de 70 anos, quando a crise do clima ainda não era uma preocupação global. E daí que diferentes organizações internacionais não usem a expressão “refugiado climático”, preferindo soluções como “migrante climático”, “deslocado ambiental” ou “pessoas deslocadas por causa das alterações climáticas”.
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A Cimeira do Clima das Nações Unidas é o ponto mais alto da diplomacia em torno das alterações climáticas, onde os países discutem como travar as emissões de gases com efeito de estufa que causam o aquecimento global. Este ano é no Egipto, de 6 a 18 de Novembro. Acompanhe aqui a Cimeira do Clima.
O Alto Comissariado das ONU para os Direitos Humanos é uma das entidades que não usam a palavra “refugiado” no contexto da crise climática. “É um termo muito usado e que pode fazer sentido na linguagem comum. Mas, estritamente do ponto de vista legal, é errado. Não usamos esta terminologia”, explica ao PÚBLICO o jurista Benjamin Schachter, responsável pela área dos direitos humanos e do clima naquele órgão da ONU.
O termo “refugiados” tem sido usado pelo menos desde 1985, quando Essam El-Hinnawi, especialista da agência da ONU para o Ambiente, descreveu como “refugiados ambientais”, num documento oficial, as pessoas “forçadas a deixar seu habitat tradicional, temporária ou permanentemente, por causa de perturbação ambiental”.
Em 2018, contudo, o Conselho de Direitos Humanos da ONU indicaria que o termo “refugiados” não se aplica aos migrantes climáticos, uma vez que, na prática, estes não têm acesso às mesmas protecções legais. No mesmo ano, a ONU adopta a resolução do Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular, onde está escrito, preto no branco, que um dos factores que causam movimentos de pessoas em grande escala são “os impactos adversos das mudanças climáticas e da degradação ambiental”, incluindo desastres naturais, desertificação, degradação dos solos, seca hidrológica e aumento do nível do mar.
Tanto na esfera mediática como no discurso público, a expressão “refugiado climático” tornou-se popular porque consegue transmitir experiência ontológica de quem se vê obrigado a fugir da comunidade onde deveria estar seguro – o sofrimento, a perda de referências, a vulnerabilidade, o medo da morte. A palavra “refugiado” encapsula a empatia para com aquele que é empurrado para um exílio forçado e, por um questão de paralelismo, terá sido trazida para do campo linguístico da crise do […]